Pedido de informações em habeas corpus: a vitória da burocracia.



Pedido de informações em habeas corpus: a vitória da burocracia.

Dizem-nos os mais antigos que a burocracia brasileira é fruto da colonização portuguesa. Pode até ser, mas no mundo, ela surge a partir da divisão do trabalho ou com o chamado modo de produção asiático, oriundo da necessidade da sistematização das atividades laborais para melhor consecução de seus fins[1].

Ocorre que, por uma questão absolutamente natural, o excesso de divisão de trabalho pode transformar-se em excesso de burocracia, vindo a comprometer a eficiência das finalidades designadas. É dizer, a preocupação com a fiscalização, segurança e divisão, sem que se esteja aliado aos escopos principais, promove um desvirtuamento do sistema. Por isso, segundo ABRUCIO e LOUREIRO, é necessário construir novos modelos administrativos que libertem “os métodos executivos dos métodos confusos e custosos da experiência empírica [para] erguê-los sobre bases firmemente enraizadas em um princípio estável[2].

Este problema não é uma particularidade do poder executivo, onde está concentrada a maior parte da estrutura orgânica da administração pública, mas igualmente do poder judiciário, que recebe os influxos da maneira de como se deve gerir suas atividades. E neste passo, a burocratização do poder judiciário é, na prática, um impedimento do efetivo acesso à justiça[3], pois incrementa a dificuldade mesma de acesso e a lentidão, seu maior apanágio, capaz de desestimular os cidadãos a utilizarem de seus serviços[4].

No processamento do habeas corpus, cujo rito deve ser breve por conta de sua natureza especial, o fenômeno é observado a partir de uma prática que se tornou regra, quando deveria ser exceção: trata-se do pedido de informações à autoridade coatora para que se possa analisar a liminar requerida.

Esta conduta era compreensível quando os processos eram físicos e o writ instruído com algumas poucas peças, às vezes somente a decisão guerreada, o que alijava do julgador detalhes que só poderiam ser compreendidos com leitura completa dos autos. Muitos até instruíam o habeas com cópia integral do processo, certificada pela secretaria, a fim de evitar esta notificação para informações, e mesmo assim elas eram solicitadas.

Entretanto, na atualidade, com virtualização das atividades do judiciário, incluindo aí a instituição dos processos eletrônicos, não há mais que se falar em intimação da autoridade coatora para prestar esclarecimentos, pois a íntegra dos autos e eventuais incidentes já estarão disponíveis ao julgador.

Assim, de duas, uma: se a autoridade coatora trouxer informações que não constam dos autos, tal não deve ser considerada para o julgamento da demanda, pois o que não está nos autos, não está no mundo (non quod est in actis non est in mundo); se informar algo que já estava nos autos, desnecessária sua intimação, bastando o bom senso do julgador para ler com atenção aquilo que já está exposto pelo peticionante.

A manutenção deste costume em nossos dias revela a contaminação epidêmica do poder judiciário que avilta a concretização da garantia constitucional do habeas corpus, cuja análise célere faz parte de sua natureza. Não se concebe este remédio constitucional sendo processado sob um rito com atos processuais absolutamente inúteis em seu trâmite.

Apegados a formalismos supérfluos, que nada contribuem, resistem a se adequarem a uma realidade que lhes convoca à mudança de horizonte, à adoção de uma postura mais pragmática consentânea aos propósitos constitucionais do habeas corpus.


[1] TENÓRIO, Fernando Guilherme. Weber e a burocracia. Revista do Serviço Público, 1981, p. 79.

[2] ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Burocracia e ordem democrática: desafios contemporâneos e experiência brasileira. Encontrado em <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8560/1/Burocracia.pdf>. Acesso em 22 abr 2022. p. 30.     

[3] Ver SCHNEIDER NUNES, Andréia Regina. A burocratização do poder judiciário como obstáculo ao acesso à justiça. Encontrado em https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/download/295/278. Acesso em 22 abr 2022.

[4] Ver RODAS, Sergio. Lentidão e burocracia desmotivam pessoas a irem à Justiça, diz estudo. Encontrado em https://www.conjur.com.br/2019-dez-06/lentidao-burocracia-desmotivam-pessoas-recorrer-justica, acesso em 22 abr 2022.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado crimunalista, especialista em ciências penais e presidente da ABRACRIM/MA.


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