Contrariedade à prova dos autos. Uma (im)possibilidade do Ministério Público recorrer



Contrariedade à prova dos autos. Uma (im)possibilidade do Ministério Público recorrer

A apelação é o recurso cabível contra decisões condenatórias do tribunal do júri e seus fundamentos são a ocorrência de nulidade posterior à sentença; a contrariedade, da sentença, à lei ou à decisão dos jurados; o erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou medida de segurança; e quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III).

Este último fundamento (contrariedade à prova dos autos) é o que agora interessa, na medida em que recentemente o STF, no RHC 117.076, de relatoria do ministro Celso de Mello, decidiu que não poderia o MPF apelar, com base neste pressuposto, de decisão absolutória no tribunal do júri, pois é possível que os jurados absolvam com esteio no juízo de clemência ou equidade, “sem qualquer vinculação ao critério da legalidade escrita”, disse o decano[1].

A pergunta que gira em torno da questão e que circunscreveria o debate é: há decisão absolutória, fundada no terceiro quesito, que seja contrária à prova dos autos? Com a reforma de 2008, que instituiu o quesito genérico para absolvição (terceiro quesito), após os dois primeiros, que definem a materialidade e autoria (primeiro e segundo, respectivamente), poder-se-ia afirmar que esta espécie de decisão não se apoia em dado objetivo, em critério fático, mas sim em juízo subjetivo, que diz respeito à clemência ou qualquer outro motivo metajurídico. E é verdade.

Ainda segundo o ministro, o sigilo da votação, a soberania do veredicto do júri e o caráter abrangente do quesito genérico e obrigatório de absolvição, são vetores do pronunciamento dos jurados nestes casos e “inviabilizam o controle recursal da manifestação absolutória dos integrantes do Conselho de Sentença, tornando insuscetível, como feito consequencial, a utilização, pelo Ministério Público, da apelação”. No mesmo sentido é a doutrina de LOPES JR[2]. REZENDE também o acompanha[3].

A nosso viso, não faz sentido manter-se uma indagação a juízes leigos de se “absolve o acusado”, sem qualquer fundamentação escrita ou falada, mesmo após reconhecidas a materialidade e a autoria, senão para estender aos jurados a possibilidade de fazê-lo sob os motivos que entenderem pertinentes, ainda que fora dos dados objetivos do processo.

Pode-se questionar este entendimento, mas não se discorda que ele é o que se adequa ao espírito da reforma de 2008. Todavia, indaga-se, vale também o mesmo entendimento para a condenação?

Pensa-se que não. Eventual decisão condenatória pelo júri sempre desafiaria o recurso de apelação com fundamento na alínea “d”, III, do art. 593, do CPP, pois não existe quesito genérico de condenação, somente de absolvição[4].

Se é perigoso assim proceder, é outra questão, mas desde que se considerou escolher juízes leigos para julgarem fatos extremamente complexos, como são os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, essa possibilidade passou a ser real e até necessária, já que seria um contrassenso exigir fundamentação de quem não possui formação jurídica.

Não há ainda ponto pacífico quanto a teste posicionamento, embora o julgado recente do STF demonstre, sob a lavra do ministro Celso de Mello, que o tema será enfrentado e que há espaço para o entendimento aqui defendido.



[2] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 897, livro digital.

[3] REZENDE, Guilherme Madi. Júri: decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos – descabimento. Boletim do IBCCrim, n. 207, fevereiro de 2010, p. 14

[4] LOPES JR, 2016, 898.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIM/MA.


Um comentário

  1. Olá, tudo bem!
    vimos sua puplicação e achamos que poderia ser pertinente
    colocar em nosso site:
    http://planosdesaudehdm.com.br
    Um grande abraço.

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