A confusão danosa entre excesso de prazo comum e especial.



A confusão danosa entre excesso de prazo comum e especial.

Há uma confusão corriqueira e danosa no meio forense que diz respeito à diferenciação do conceito e consequências do excesso de prazo comum (aquele sem delimitação legal de dies ad quem) para aquele advindo da desobediência ao art. 10 do CPP, a que se chama de especial, neste artigo, cujo termo final e consequência jurídica é estipulado em lei.

É bastante importante que se estabeleça, desde já, essa diferença fundamental, para que juízes e promotores não tomem argumentos que se aplicam a apenas um dos conceitos e os utilizem a situações completamente distintas.

De saída, a assertiva: o excesso de prazo em prisão preventiva decorrente da demora para realização da instrução ou proferimento da sentença/acórdão não se confunde com o excesso de prazo em prisão preventiva decorrente da desobediência ao prazo de 10 (dez) dias para conclusão do inquérito ou procedimento investigatório criminal (pic).

Notadamente, no primeiro caso, repita-se, não se tem prazo legal definido (termo final) para avaliação do excesso, podendo a prisão preventiva durar meses ou até anos, como sói ocorrer, ao passo em que no segundo caso, há prazo legal estipulado para a realização do ato de conclusão das investigações e/ou oferecimento da denúncia, qual seja, 10 (dez) dias, com a definição da consequência subsequente, o relaxamento do ergástulo.

A diferença é tão capital que o Código de Processo Penal só admite a prorrogação do prazo da finalização do inquérito para realização de demais diligências quando o réu estiver solto, consoante se vê do §3º do art. 10, que diz: “Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”.

Noutras dizeres, redundantes de tão óbvio, eventuais justificativas para o excesso de prazo dilação de prazo só são admissíveis nos casos de difícil elucidação e quando o réu estiver solto.

A contrario sensu, estando preso, não há justificativa legal para a extrapolação do prazo, ou mesmo pedidos de diligências com o consequente aumento do prazo, pois aqui a ilegalidade só seria sanada com o oferecimento da denúncia, de maneira que a não obediência ao limite temporal de dez dias impinge de nulidade a prisão, que deverá ser relaxada de imediato.

Na doutrina, NUCCI afirma que o prazo de dez dias do art. 10 do CPP tem de ser cumprido à risca, não se submetendo às ponderações de extensão e complexidade da investigação, pois tais só ocorrem nos casos em que já ofertada a denúncia após a prisão cautelar: “estabelecendo a lei um prazo determinado para findarem as investigações policiais, que se refiram a indivíduo preso em flagrante ou preventivamente, deve ser cumprido à risca, pois cuida de restrição ao direito fundamental à liberdade[1] (grifou-se).

Da mesma forma não abre exceção, nestes casos, TÁVORA e ALENCAR, que assim se pronunciam: “A ausência de remessa do inquérito policial à Justiça ao final do prazo implica constrangimento ilegal sanável via habeas corpus[2].

E mais uma vez NUCCI arremata quando assevera que necessidade de diligências e aprofundamento das investigações não interrompem o decênio estabelecido em lei, que caso aconteça, impõe o relaxamento imediato da prisão pela autoridade: “É importante destacar que eventuais diligências complementares, eventualmente necessárias para a acusação, não são suficientes para interromper esse prazo de dez dias – ou outro qualquer estipulado em lei especial (ver a nota 57 infra) –, devendo o juiz, se deferir a sua realização, determinando a remessa dos autos de volta à polícia, relaxar a prisão[3].

Esta colocação exige uma pergunta que melhor ainda delimita o debate: o prazo de dez dias, constante do art. 10 do CPP, pode ser interrompido? Evidente que não, e por esse e outros motivos alhures indicados o tratamento processual deve ser diferente dos demais casos.

A única alternativa que restaria à autoridade investigadora seria o oferecimento da denúncia, segundo o jurista paulista: “Outra alternativa, contornando o relaxamento, é o oferecimento de denúncia pelo órgão acusatório, desde que haja elementos suficientes, com formação de autos suplementares do inquérito, retornando estes à delegacia para mais algumas diligências complementares.[4]

TOURINHO FILHO, entrementes, advogada a tese de que a consequência da superação deste prazo é apenas administrativa-disciplinar, incidindo as sanções previstas no art. 801 do CPP[5].

Peca pela ausência de coerência lógica e sistêmica o renomado jurista, porém, na medida em que a inobservância dos prazos previstos no livro das disposições gerais do CPP tem como consequência apenas efeitos administrativos; já o art. 10, prevê como consequência de sua inobservância o imediato relaxamento.

Não se pode, com a devida vênia, pretender as consequências de ato cujo efeito da inobservância é apenas administrativo para aquele cujo resultado da inobservância é uma consequência jurídica expressamente prevista em lei.

Tivesse o legislador optado pelo silêncio na hipótese do art. 10, poder-se-ia pensar na aplicação da consequência meramente disciplinar, mas não é o caso, pois a previsão é clarividente, expressamente, jurídica.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 15 ed. São Paulo: Editora Forense, 2016, p. 67, livro digital.

[2] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processo Penal. 12 ed. Salvador: Juspodivm. 2017, p. 156.

[3] Idem, ibidem.

[4] Idem, ibidem.

[5] Art. 801.  Findos os respectivos prazos, os juízes e os órgãos do Ministério Público, responsáveis pelo retardamento, perderão tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos. Na contagem do tempo de serviço, para o efeito de promoção e aposentadoria, a perda será do dobro dos dias excedidos.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, presidente da ABRACRIM/MA e especialista em ciências penais.


Sem comentários

    Seja o primeiro a comentar!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *