Como o estudo das ciências criminais pode colaborar com a sociedade atual?



Como o estudo das ciências criminais pode colaborar com a sociedade atual?

É lugar comum que sob qualquer organização social o Direito se põe como pressuposto fundante. Deste gênero – Direito, assumem relevante posição as Ciências Criminais (ou Ciências Penais, como preferem alguns), que tratam de seus subtemas: Dogmática Penal, Política Criminal e Criminologia[1].

O delito (e tudo aquilo que o circunda), enquanto visto como comportamento odioso e perverso, por isso mesmo merece a atenção do estudo, da análise, da crítica e da investigação. Não sem razão é que DURKHEIM[2] afirma que o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano.

Desta forma, segundo o sociólogo francês, o delito não só é um fenômeno social normal (no sentido de ser um acontecimento que invariavelmente ocorre, portanto, de ocorrência natural), como também cumpre outra função importante, qual seja, a de conservar acessível o canal de transformações de que a sociedade necessita. É a antítese necessária para a construção da síntese devida.

Dito isto, concorda-se com o sociólogo, na medida em que a conclusão é a seguinte: as relações humanas são contaminadas pela violência, obrigando as Ciências Criminais (e a sua faceta, o Direito Penal) a se ocuparem de seu estudo e da regulação de condutas[3].

Na conjuntura política como a que se vive no Brasil hoje, em que a persecução penal assume ares de (in)contestável virtude moral e cívica, não se pode perder de vista as fronteiras que sempre demarcaram até onde o poder punitivo estatal deveria atuar. Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, já as apontava em seu célebre opúsculo Dos delitos e das penas. Ora, se inegavelmente a violência contamina as relações humanas, tanto mais contaminará a relação existente entre aquele que exerce autoridade e aquele sobre o qual esta autoridade é exercida.

A exemplo, qualquer leitura menos açodada da famosa obra de Foucault, Vigiar e Punir[4], trará luz sobre as consequências absurdas da pena criminal e da persecução penal quando exercidas sem a racionalidade necessária para se evitar a objetificação do ser humano e o aviltamento da sua dignidade. A tendência é que sem os traços demarcatórios sustentados pelos estudos mais comprometidos com o ser humano, a pena venha a se tornar mera vingança privada travestida de legalidade.

O professor JUAREZ CIRINO DOS SANTOS[5], em trabalho apresentado no 11º Seminário Internacional do IBCCRIM (04 a 07 de outubro de 2005), ocorrido em São Paulo, ao analisar, sob a perspectiva do trabalho de FOUCAULT, a natureza política do poder de punir na Idade Média, revela que “o suplício do corpo do estilo medieval (roda, fogueira etc.) é um ritual público de dominação pelo terror: o objeto da pena criminal é o corpo do condenado, mas o objetivo da pena criminal é a massa do povo, convocado para testemunhar a vitória do soberano sobre o criminoso, o rebelde que ousou desafiar o poder”. Mutatis mutandis, não se estaria retornando a esta época, ao se verificar que a pena hoje é instrumento do espetáculo caudatório da mídia de massa? Em outras palavras, para a mídia, pois, não é a massa do povo, em certo sentido, o objetivo da pena criminal?

As investigações que pululam sobre as autoridades públicas– a exemplo da famosa operação Lava-jato – e demais atores políticos que com a Administração Pública se entremeiam, tencionam, claro, tornar esta sociedade um lugar melhor, onde a coisa pública é tratada segundo os cardeais princípios do art. 37 da Constituição. Por isso aplaude-se com todo o fervor da civilidade o altruísmo com que seus atores (juízes, procuradores e advogados) pelejam nas suas respectivas áreas.

Todavia, qualquer exercício de poder, por mais bem intencionado que seja, deve estar acompanhado de incessante reflexão, aprimoramento e estudo, sem as quais poderá transforma-se na mais autêntica forma de arbítrio e desilusão das esperanças que um dia inflamaram a mudança que habitou tantos sonhos, inclusive os seus, caro leitor.


[1] Ver GOMES, Luis Flávio. MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: fundamentos e limites do direito penal. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

[2] Encontrado em <http://coral.ufsm.br/gpforma/1senafe/biblioteca/asregrasdom.pdf>, E. Durkheim. As regras do método sociológico, p. 57. Acesso em 15 Mai 2016.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 33.

[4] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2015.

[5] DOS SANTOS, Juarez Cirino. 30 anos de vigiar e punir (FOUCAULT). Disponível em <http://www.academia.edu/4237541/30_ANOS_DE_VIGIAR_E_PUNIR_FOUCAULT_Juarez_Cirino_dos_Santos>.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIMA/MA.


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