Disponibilizado texto de Milton Vasconcelos – Deslocamentos semânticos: acusação e inquisição.



Disponibilizado texto de Milton Vasconcelos – Deslocamentos semânticos: acusação e inquisição.

Disponibilizo aqui um texto de rara coragem, cujo autor é Milton Gustavo Vasconcellos Barbosa, doutor em direito penal pela PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A reflexão foi publicada ainda em 2014, na Revista Duc In Altum, da Faculdade Damas.

Citando inicialmente o filósofo Eric Voegelin, pouco estudado no Brasil, demonstra a profundidade da pesquisa, que ainda tem citações de Levi Strauss, provando que a base filosófica (supostamente crítica) para o estudo do processo penal não precisa ser a tríade da escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer e Habermas).

Em seguida, esclarece, com bibliografia histórica, de onde nasceu a diferença entre processo de acusação e processo inquisitório, sendo o primeiro bem mais infenso às garantias individuais, já que corria sob conta e risco de quem acusava, sem qualquer averiguação inicial. Já o segundo, previa a instauração de uma investigação prévia – inquérito – por autoridade distinta, via de regra, do que foi vítima.

Interessante notar que, apesar da Inquisição ser apontada como período de criminalização da fé contrária, a Lex Visigothorum, lei secular que vigia há 500 anos antes da instauração do tribunal do santo ofício, já criminalizava o judaísmo e suas manifestações.

Textualmente, confronta as conclusões, com base em falsas apreensões, do que dizem sobre a realidade do período medieval, a comparar a legislação da época com a legislação religiosa. Mitos são quebrados. Diz:

“O que diriam os que acusam os Inquisidores de parcialidade se soubessem processo penal que no secular (medieval) o juiz poderia duelar com o acusado e até mesmo matar o réu apelante?
Os que denunciam a barbárie do processo Inquisitório se esquecem de mencionar que legislações da época, como o Foral de Ericeira outorgado em 1267 (décadas depois do surgimento da Inquisição Papal), preveem expressamente a aplicação da pena sem processo. Sem processo, apelação ou agravo…”

E arremata:

“Como se percebe, por tudo que foi dito, o direito processual penal de “acusação” contemporâneo à Inquisição, não pode, de nenhum modo, ser considerado um exemplo na aplicação da Justiça. Em alguns pontos o Tribunal da Inquisição avançou, em outros, seguiu más práticas e abusos que já existiam (tendo criado poucas delas, quiçá nenhuma).”

Mas os inquisidores sabiam algo que se o processo penal fosse um “jogo”, ou uma “guerra”, seria justo condenar um inocente vencido dentro das regras. Seria justo condenar aquele, que embora não tenha feito nada de errado, tenha tido uma defesa desastrosa e inepta.”

Avança: “Os inquisidores sabiam que, se absolvessem um herege, a população provavelmente o lincharia (talvez linchassem ate os inquisidores, como por tantas vezes ocorreu), e que não era justo condenar um inocente (cada inocente que perecia era um novo Cristo na cruz).

Os inquisidores sabiam ainda que o processo envolve uma tênue equação, por um lado há a de necessidade de preservar as formas e absolver inocentes de outro, condenar culpados e racionalizar a violência comunitária por meio da pena.

A intenção desse pequeno escrito é lançar luz sobre os mitos, trazendo à baila alguns dados históricos para mostrar em que em muitos aspectos superamos a Inquisição, em outros a repetimos, em alguns eles se envergonhariam de nós e que o se convencionou chamar de processo penal Inquisitório, é menos obra dos inquisidores do que dos “modernos” processualistas que sobre ela escreveram.

Um texto que deve ser lido e reverberado, sem dúvida alguma.
Faça o download aqui: Deslocamentos semânticos_Milton.