Um homicídio pode ser qualificado como fútil e torpe ao mesmo tempo?



Um homicídio pode ser qualificado como fútil e torpe ao mesmo tempo?

O §2º do art. 121, prevê em seu inciso I a qualificadora do motivo torpe, que é entendida como “repugnante, abjeto, vil, que causa repulsa excessiva à sociedade”[1]. Já no inciso seguinte, torna qualificado o homicídio praticado por motivo fútil, que é compreendido como “mínima importância, manifestamente desproporcional à gravidade do fato e à intensidade do motivo[2].

            É absolutamente crível que um mesmo homicídio seja cometido por mais de um motivo, mas, levando em conta a conceituação precisa de “fútil” e “torpe” trazida pela doutrina, através de uma verificação vernacular nos dicionários de nosso idioma, poderia alguém estar motivado por algo fútil e torpe ao mesmo tempo?

            Na lição de BITENCOURT, “o motivo torpe não pode coexistir com o motivo fútil[3]. Assim também MASSON[4]: “Ressalte-se que, por absoluta incompatibilidade, um motivo não pode ser simultaneamente fútil e torpe. Uma motivação exclui a outra. É fútil ou torpe, obrigatoriamente.” Neste mesmo sentido é a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL – TRIBUNAL DO JÚRI – Condenação pelo crime de tentativa de homicídio triplamente qualificado (ART. 121, § 2º, I, II E IV, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). Recurso exclusivo da defesa. Preliminar: arguição de prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa rejeitada lapso temporal que não atesta a prescrição. Direito de recorrer em liberdade possibilidade mandado de prisão expedido antes do trânsito em julgado da condenação réu que respondeu ao processo em liberdade. Pretendida exclusão da qualificadora do motivo torpe por ausência de provas não cabimento qualificadora reconhecida pelo conselho de sentença. Alegado bis in idem pela coexistência das qualificadoras subjetivas (MOTIVO TORPE E FÚTIL) ocorrência exclusão do motivo fútil. Dosimetria: primeira fase – Revisão ex officio – Circunstâncias judiciais totalmente favoráveis ao réu – Injustificada majoração – Redução da pena basilar ao mínimo legal – Redimensionamento da pena definitiva – Consequente alteração do regime inicial de cumprimento de pena para o semiaberto. Recurso conhecido e parcialmente provido. Redução, de ofício, da pena-base, ao mínimo legal. Decisão unânime. (TJSE – ACr 201800335968 – (9491/2019) – Relª Desª Ana Lúcia Freire de A. dos Anjos – DJe 26.04.2019 – p. 11)

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NÃO CABIMENTO COEXISTÊNCIA ENTRE MOTIVO FÚTIL E MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A pronúncia consiste em decisão que analisa mero juízo de admissibilidade da acusação, exigindo tão somente indícios de autoria e materialidade do crime, sendo dispensáveis os juízos de certeza necessários à uma condenação. 2. Incabível a absolvição sumária do réu, por não estar o mesmo acobertado pelas hipóteses do art. 397 do CPP. 3. Incabível a coexistência de motivo fútil e torpe, por absoluta incompatibilidade. Recursos Improvidos. (TJ-ES – RSE: 00009263120188080008, Relator: PEDRO VALLS FEU ROSA, Data de Julgamento: 04/07/2018, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 13/07/2018).

Desta feita, em sendo apenas uma vítima e um autor, impossível que a motivação do homicídio seja fútil e torpe concomitantemente, sendo hipótese de nefasto bis in idem.


[1][1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. São Paulo: Forense, 2017, p. 450, livro digital.

[2] Idem, p. 302.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 178, livro digital.

[4] MASSON, Cleber. Direito Penal – v. 2. 11 ed. São Paulo: Método, 2017, p. 65, livro digital.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA, especialista em ciências penais e ex-policial civil.


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