QUEM PODE SER TESTEMUNHA? A DEFESA NÃO PODE SE OMITIR.



QUEM PODE SER TESTEMUNHA? A DEFESA NÃO PODE SE OMITIR.

O art. 202 do CPP afirma com singular clareza que “toda pessoa poderá ser testemunha”. A assertiva não é mera trivialidade, uma vez que “toda pessoa” é designação ampla e, certamente, haveria de colocar em dúvida a hipótese de se uma criança, um adolescente, um deficiente visual ou auditivo, poderiam testemunhar.

Mas, sim! Todos os citados podem ser testemunhas! A amplitude do conceito de testemunha é uma decorrência natural de um dos objetivos declarados do processo penal, que é a busca da verdade real (ainda que haja discussão sobre esse conceito), busca essa que admite todos os meios empíricos possíveis para se chegar à certeza da comprovação de um fato.

Como bem afirma prodigiosa doutrina, até mesmo doentes mentais podem testemunhar, claro, desde que observado se o grau de sua limitação afeta a percepção daquilo que está a descrever. O mesmo ocorre com portadores de deficiência, os quais não poderiam narrar fatos que seus sentidos não pudessem captar (um surdo não poderia afirmar que ouviu um barulho, ou um cego não poderia afirmar que viu uma cena).[1]

Evidente que, assim como uma só estrela não torna o céu iluminado, tendo umas a brilhar mais que outras e com somente a junção delas a permitir uma clareza melhor, nem toda testemunha têm a mesma credibilidade, e o juiz, consoante o princípio da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado (ainda, repito, que estes conceitos também sejam submetidos à crítica), avaliará e dará a relevância que entender pertinente à oitiva. Portanto, uma criança, um adolescente, podem e devem testemunhar, embora suas declarações estarão sujeitas a uma maior desconfiança, por todos os óbvios motivos.

Agora, e aqui queria chegar, a afirmação do art. 202 acima citado é ainda mais importante se considerarmos que, na prática, muitos advogados deixam de arrolar determinada testemunha por serem essas menores de idade, ou por serem parentes do acusado. Isto não se faz. Se uma testemunha é importante para a confirmação da tese de defesa, não importa que condição ela ostente, arrole-a para ser ouvida. A defesa penal séria não admite perda de chances e não tolera jogar com a sorte.

  No júri, sobretudo, onde quem julga é o conselho de sentença, composto por leigos, maior importância há. Ali, onde medram as percepções do sentimento, da avaliação subjetiva, a oitiva de testemunha, mesmo em condições onde ocorra desconfiança, ganha brio e pode colaborar com a defesa.

Apesar de toda pessoa poder testemunhar, não se admite entre nós a testemunha anônima. O próprio art. 203 do CPP ensina que é obrigatória a identificação da testemunha, cuja finalidade é, entre outras coisas, permitir a constatação de eventual incompatibilidade ou impedimento, as quais poderiam comprometer a credibilidade das declarações.

A lei federal 9.807/99, com o propósito de proteger vítimas e testemunhas dos temores naturais ao falarem algo num processo, permite a preservação da identidade destes. Todavia, esta preservação só alcança o público, não podendo ser estendidas ao acusado ou seu advogado, que terão acesso a estas identificações de acordo com a previsão de normativa interna de cada tribunal.

Considerando o que foi dito, assim, vê-se que ao advogado é permitido arrolar as testemunhas que entender necessárias, não podendo deixar de fazê-lo em razão de ser ela menor de idade, portador de deficiência, ou até mesmo doente mental. A intenção é aproveitar todas as chances possíveis para a corroboração da tese defensiva.


[1] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Código de Processo Penal Comentado. 1 ed. Alberto Zacharias Toron (Coord.), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 447.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA e especialista em ciências penais.


Um comentário

  1. Joaquim alfredo nhampossa disse:

    Boa noite ilustres
    Os argumentos foram convicentes e esclarecedores.
    Foram de encontro com as minhas expectativas pelo que me sinto tentado a me inscrever e seguir as vossas apresentações
    J, Nhampossa
    Advogado

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