Pequenas glosas sobre o Júri e o direito defesa



Pequenas glosas sobre o Júri e o direito defesa

Discurso proferido no Dia do Advogado Criminal em 02 de Dezembro de 2016

A defesa, para o advogado criminal, não se confunde com um mero exercício da aptidão profissional para o foro. Esta, todos os advogados a possuem. Senão todos, a maioria. Constitui-se, em verdade, numa associação, natural até, com os dilemas mais assombrosos do homem.

É o seu pecado, sua justificativa, sua redenção, sua inocência e sua imaturidade, que são postos à mesa do encontro entre ele e acusado. E pode-se afirmar, tanto pela experiência dos homens quanto pelas disposições legais, que o tribunal do Júri, procedimento adotado para os crimes contra a vida, tentados ou consumados, é o grande anfiteatro onde se aglutinam todas as forças contrárias e a favor da liberdade.

É sobre ele e o impostergável direito de defesa que deito concisas e rápidas palavras.Devo aceitar determinada defesa, por mais impopular que seja? Haverá Justiça quando o horror for a face do processo diante do povo? São indagações que assolam não somente o senso comum, mas até mesmo os mais experientes advogados. Tomo de empréstimo as palavras de Rui Barbosa, nosso primeiro grande bastião da defesa intransigente, que respondeu a uma consulta, do não menos importante Evaristo de Morais, sobre se aceitava ou não a defesa no júri de caso deveras intrincado:

“Ora, quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais. Se a enormidade da infração reveste caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública (…), tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel[1]”.

Neste findar de ano, acompanhamos notícias dos colegas criminalistas que semana a semana ocupam o desértico chão do plenário do júri. Assemelham-se aos gladiadores diante da fúria romana ensandecida. Postos a morrer, teimavam em resistir à espada inimiga, respirando a esperança do triunfo.

Sim, senhores. Porque lá está ele, o advogado criminal, único capaz de descer a escada de valores que pensou a sociedade e, já no último degrau, sentar-se ao lado do Acusado, ouvindo suas misérias, como dizia Carnelluti. Importante lembrar que o mestre italiano, já em idade avançada, pensava o processo penal de maneira completamente diferente daquela dos primeiros anos de jurista. Quando amadureceu, percebeu que o processo penal era o primo pobre do Direito, a cinderela que só calçava sapatos emprestados da dama “processo civil”.

Sofremos disso também. Eis uma das chagas que, via de consequência, assolam o direito de defesa. Uma defasagem epistêmica que nos empurra a uma interpretação barroca do processo penal. Disso falaremos de maneira mais profunda em outro momento.

Mas, retornando ao labor do advogado criminal, di-lo que este, depois de ouvir o lamento, a dor, e irmanar-se das razões e esperanças últimas do Acusado, ocupa a tribuna, já entorpecido pelo sagrado direito de exercer a defesa. Aparteia, questiona, sugere, acena! Aparteia mais uma vez, questiona mais uma vez, sugere mais uma vez, acena mais vez, perfazendo insistentemente todas as peculiaridades que formam o caso penal! É o seu desiderato profissional e humano!

Há quem deseje a extinção do tribunal do júri. Consideram-no instituto atrasado, não condizente com a moderna ciência processual. Todavia, há aqueles que, como eu, resistem ao seu aniquilamento, pugnando pela tradição democrática de conceder ao povo a possibilidade de tomar partido quanto a seus principais acontecimentos, que são a morte e a vida, e suas capitais consequências, que são a prisão e a liberdade.

Parafraseando Mongenot Bonfim, amante do júri, mas que atuava pela acusação, as palavras calham aqui, mesmo e principalmente na defesa deste instituto:

“O júri não morreu, e não morrerá. É ânsia democrática, é seiva da alma, é vida, é símbolo, e, ainda que materialmente pereça, sobrevive na esperança que se renova. Vive em cada um de nós (…). E nós vivemos com ele. É a crença, chispa sagrada de uma chama olímpica passada de geração a geração, de mão a mão. É Evaristo de Morais, é Roberto Lyra, é Cordeiro Guerra, é Evandro Lins[2]”.

E aqui, em nossa era, sou eu, é você, somos todos nós! “É a voz excelsa do passado, é o ideal do presente, é a estrada para o futuro. É alma indômita, bravia do tribuno insepulto, que aparteia, que recorre, que replica, ribombando seu eco na memória dos tempos, ecoando seu libelo pelo túnel dos anos[3], finaliza o Bonfim.

Portanto, senhores, a advocacia criminal hoje se reúne em todo o país, e em especial nesta Ilha maranhense, para, de braços estendidos em gestos de luta, prorrogar o mandato que lhes foi conferido pela Constituição, e, nos assomos tribunícios da liberdade, conclamar a união contra o aviltamento da lei e da Carta Maior.

É tempo de resistir. Sigamos, pois!


[1] BARBOSA, Rui. O Dever do Advogado. Casa de Rui Barbosa: 2002, p. 36.

[2] BONFIM, Edilson Mougenot. Do inquérito ao plenário, p. 17.

[3] Idem, ibidem.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIMA/MA.


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