O que é a contradita da testemunha? Forma, momento e consequências.



O que é a contradita da testemunha? Forma, momento e consequências.

O art. 214 do Código de Processo Penal é o dispositivo legal que trata da contradita no processo criminal. Em sua literalidade está assim descrito: “Art. 214.  Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.” (grifou-se)

Contraditar, segundo a doutrina especializada[1], é “uma forma de impugnar a testemunha, apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna”.  Ainda, “a contradita é um instrumento de controle da eficácia, pelas partes, das causas que geram a proibição (art. 207) ou impedem que a testemunha preste compromisso (arts. 208 e 206)[2].

Qual momento correto para se realizar a contradita? Como a própria norma indica, antes de iniciar o depoimento! Na prática, é necessário que o advogado esteja bastante atento, pois o juiz poderá declarar aberta a sessão e rapidamente confirmar a qualificação da testemunha, já informadas ao escrivão antes que a audiência formalmente tenha se iniciado, e em seguida iniciar as indagações sobre os fatos, razão pela qual qualquer distração poderá impedir o advogado de poder contraditar.

Importante considerar que o depoimento não se inicia com a qualificação da testemunha, mas após este ato, quando então o magistrado dará a palavra ao promotor ou advogado para que proceda às perguntas, conforme se trate de testemunha de defesa ou acusação. Diz-se isto porque a informação necessária para a contradita pode surgir quando da qualificação, oportunidade na qual o advogado deverá imediatamente solicitar a palavra para essa finalidade.

Portanto, após a qualificação, o depoimento se iniciará, e a partir de então, estará preclusa a oportunidade de se realizar a contradita. Veja-se o julgado do Tribunal de Justiça da Bahia, neste sentido:

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ACUSADA ABSOLVIDA DA PRÁTICA DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 121, § 2º, INCISOS II, III E IV, DO CÓDIGO PENAL (POR DUAS VEZES). REJEITADA A PRELIMINAR QUE PUGNA PELO RECONHECIMENTO DE NULIDADE, EM FACE DE VIOLAÇÃO A PRECEITO LEGAL, OCORRIDA NA SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI, CONSISTENTE NA ADMISSÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO PARA SER OUVIDO EM PLENÁRIO COMO TESTEMUNHA. SOMENTE APÓS TER SIDO A REFERIDA TESTEMUNHA REGULARMENTE COMPROMISSADA, E JÁ INICIADA A SUA INQUIRIÇÃO, FOI APRESENTADA PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO A CONTRADITA. PRECLUSÃO. TESTEMUNHA QUE TAMBÉM NÃO ESTÁ INCLUÍDA NAS EXCEÇÕES PREVISTAS NO ART. 207, DO CPP. NO MÉRITO, PEDIDO DE NOVO JÚRI, AO ARGUMENTO DE QUE É A DECISÃO DOS JURADOS CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. CONFIGURAÇÃO. DECISÃO DO CORPO DE JURADOS DISSOCIADA DO LASTRO PROBATÓRIO COLIGIDO AO CADERNO PROCESSUAL, CIRCUNSTÂNCIA QUE AUTORIZA A SUA ANULAÇÃO. REJEITADA A PRELIMINAR SUSCITADA, NO MÉRITO, PROVIDO O RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. 1. Preliminar rejeitada. O art. 214, do Código de Processo Penal, estabelece que o momento oportuno para a apresentação de contradita pelas partes é sempre antes de iniciado o depoimento da testemunha. In casu, somente após a testemunha questionada ter sido regularmente compromissada, e já iniciada a sua inquirição, foi que o Assistente de Acusação apresentou a contradita, interrompendo o seu depoimento. Ademais, não se encontra a referida testemunha incluída nas exceções previstas no art. 207, da Lei Adjetiva Penal. 2. Apenas se considera manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados dissociada, integralmente, de todos os segmentos probatórios aceitáveis dentro do processo. Se houver provas que amparem a decisão do Conselho de Sentença, ainda que respaldada em alguma ou uma única dentre as teses de fato ou de direito enfrentadas, não se anula o julgamento com base na alínea `d` do inciso III do art. 593 do CPP. 3. No caso em apreço, resta evidenciado, após detida análise das provas colacionadas ao caderno processual, que a decisão do corpo de jurados, que absolveu a Ré por negativa de autoria, optando por uma tese que não foi, inclusive, apresentada pela Defesa técnica, está, a toda evidência, dissociada, completamente, do lastro probatório coligido aos autos, circunstância que autoriza a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, com a submissão da Ré a novo julgamento pelo Tribunal Popular. (TJ-BA; AP 0394639-65.2013.8.05.0001; Salvador; Segunda Turma da Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. José Alfredo Cerqueira da Silva; Julg. 16/08/2018; DJBA 21/08/2018; Pág. 770) CP, art. 121 CPP, art. 207 CPP, art. 214 CPP, art. 593 (grifou-se)

 

Novamente, aqui:

 

APELAÇÃO CRIMINAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, CERCEAMENTO DE DEFESA E PEDIDOS DEDUZIDOS NA RESPOSTA A ACUSAÇÃO NÃO ANALISADOS NA SENTENÇA E INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA INTENÇÃO DE DENUNCIAR CALUNIOSAMENTE. PRETENSÃO RECURSAL DE ANULAÇÃO DA AÇÃO PENAL, DA SENTENÇA OU ABSOLVIÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXPOSIÇÃO DO FATO CRIMINOSO, SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, QUALIFICAÇÃO DO APELANTE, A CLASSIFICAÇÃO DO CRIME E ROL DE TESTEMUNHAS. DENÚNCIA NÃO SE AFIGURA INEPTA. PREMISSA DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TJMT. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO ADMINISTRATIVA “DVD” AUDÍVEL E JUNTADO AO PROCESSO. ACESSO DA DEFESA TÉCNICA A MÍDIA AUDIOVISUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO EVIDENCIADO. JULGADO DO STJ. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO APRECIAÇÃO DOS PLEITOS CONSTANTES NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. TESTEMUNHA NÃO CONTRADITADA EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. OCASIÃO PROCESSUAL ADEQUADA. APÓS QUALIFICAÇÃO E ANTES DOS DEPOIMENTOS. PRECLUSÃO. ARESTO DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TJMT. DECLARAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DE TESTEMUNHA NÃO UTILIZADAS NA SENTENÇA PREJUÍZO AFASTADO. NEGATIVA DE AUTORIA ANALISADA NA SENTENÇA. NULIDADE INEXISTENTE. PREMISSA DO TJMT PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DENOMINADO “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS” INSTAURADO. ASSUNTO. REGULARIZAÇÃO DE POSSE DE TERRA. AFIRMAÇÕES DO APELANTE PERANTE O ÓRGÃO MINISTERIAL RETRATAM LITÍGIO POSSESSÓRIO DÚVIDA ACERCA DA INTENÇÃO DE IMPUTAR CONDUTA CRIMINOSA [ABUSO DE AUTORIDADE] CONTRA PESSOA QUE SABIA SER INOCENTE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA EXIGE QUE O AGENTE TENHA CERTEZA DA INOCÊNCIA DAQUELE A QUEM O DELITO É IMPUTADO. ENTENDIMENTO DO TJMG. JULGADO DO TJRS. RECURSO PROVIDO PARA ABSOLVER O APELANTE. “A denúncia que adota as providências e cautelas necessárias no sentido de descrever a exposição dos fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, atende ao estabelecido no art. 41 do CPP” (TJMT, AP nº 177733/2016). Se a mídia audiovisual encontra-se acostada aos autos, à qual “a defesa técnica teve acesso, não se evidencia a alegada nulidade por cerceamento de defesa” (STJ, AgRg no REsp 1343856/DF). O momento processual adequado para contraditar a testemunha arrolada é após sua qualificação e antes de prestar compromisso, ou seja, “antes do início dos seus depoimentos, e não as fazendo, opera-se a preclusão” (TJMT, AP nº 166399/2014). Inexiste nulidade se a tese suscitada na resposta à acusação [negativa de autoria] foi analisada pelo juízo singular, na sentença (TJMT, AP nº 57374/2016). “para configuração do delito de denunciação caluniosa, o agente deve ter certeza da falsidade do fato, que está imputando a outrem. Sem essa certeza, a absolvição é a medida mais justa, em face do secular princípio in dubio pro reo. Apelação da defesa provida, para absolver a denunciada. ” (tjrs, AP nº 70059847228). (TJ-MT; APL 121872/2017; Poxoréo; Rel. Des. Marcos Machado; DJMT 22/03/2018; Pág. 105) CPP, art. 41 (grifou-se)

 

Bastante comum hoje em dia é que advogados iniciem a audiência ocupados em seus aplicativos de mensagens em smartphones, ou mesmo atendendo alguma ligação mais afastados, o que pode atrapalhar a atenção e fazer perderem o timing decisivo para impugnar a fidelidade da testemunha. Desta forma, recomenda-se total concentração neste momento.

Como realizar a contradita? O advogado deverá solicitar a palavra ao magistrado e fará afirmações ao juízo ou indagações à testemunha, requerendo que tudo conste em ata. Ora, por evidente que o ônus da prova cabe a quem o alega, e caso o advogado faça qualquer alegação deverá apresentar no ato as provas respectivas, submetendo-as ao contraditório exercido pelo Ministério Público e em seguida à valoração do juiz, que deverá decidir de pronto.

A prova da contradita (que obrigatoriamente tem de ser produzida no ato, repita-se), poderá ser documental ou testemunhal, aplicando-se subsidiariamente (CPP, art. 3º) o que diz o §1º do art. 487 do CPC: “Art. 457. (…) § 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição, bem como, caso a testemunha negue os fatos que lhe são imputados, provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até 3 (três), apresentadas no ato e inquiridas em separado.”

Caso a testemunha confirme o alegado, após as indagações feitas, no sentido de que realmente não está legitimada a se compromissar em juízo, ainda assim é recomendável ao causídico que apresente as provas do que alegou, pois o juízo poderá não se convencer apenas com o que diz a testemunha, devendo as alegações do contraditor estarem embasadas em outros elementos probantes (documentos e testemunhas). Nesse caso, melhor que a defesa peque pelo excesso, jamais pela falta.

Quais as consequências da contradita? Se a alegação da defesa não se confirmar, o juiz compromissará a testemunha de dizer a verdade, a teor do art. 203[3]. Confirmando-se, porém, o que contraditou o advogado, dois resultados serão possíveis.

Se a contradita confirmada for sobre a proibição de depor, consoante a letra do art. 207 do CPP[4], a testemunha será dispensada, a não ser que parte interessada a desobrigue, quando então será ouvida como qualquer testemunha.

Doutra sorte, se a contradita confirmada versar sobre a não possibilidade de se deferir o compromisso de dizer a verdade (doentes, deficientes mentais, menores de quatorze anos e às pessoas referidas no art. 206 do CPP[5]), a testemunha será ouvida, mas como informante, dispensada das obrigações de oitiva compromissada.

Detalhe importante que não pode escapar ao atento advogado é sobre a expressão contida no art. 214 do CPP, que fala da possibilidade de se arguir circunstâncias ou defeitos capazes de tornar a testemunha suspeita de parcialidade, ou indigna de fé.

Ora, fica claro que a parte pode alegar circunstâncias ou detalhes factuais que, apesar de não a desobrigar do compromisso com a verdade, afetam a credibilidade da testemunha, ou que, no mínimo, fazem com que o magistrado avalie suas palavras cum grano salis.

Por exemplo, se a testemunha for amiga íntima ou inimiga capital da parte ou já tenha sido condenada por falso testemunho, ou tenha quebrado a comunicabilidade enquanto jurado, nada mais conveniente ao contraditor que faça o magistrado tomar conhecimento disso, e, mesmo após estas informações, ainda que permaneça o dever de dizer a verdade, pois tal circunstância não afasta, ipso facto, esta obrigação legal, o magistrado e as instâncias superiores já estarão cientes da cautela com que deverão valorar a oitiva.

Nesse sentido, percucientes as palavras de CABRAL NETTO, citado por NUCCI: “A contradita, em si, não dá causa à não audiência da testemunha. Ao Juiz cabe consignar a contradita e a resposta da testemunha, compromissando-a e inquirindo-a a seguir. O valor de seu testemunho será, então, verificado quando da sentença de mérito, em face da prova carreada para o processo e dos termos da contradita[6].

 

[1] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 413.

[2] Idem, ibidem.

[3] Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

[4] Art. 207.  São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

[5] Art. 206.  A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13 ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 437-438.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIMA/MA.


4 comentários

  1. Samir Chagas disse:

    Muito bom Dr, excelente texto.
    Estou na batalha da 2fase, espero passar e começar atuar nessa brilhante área. Se o Sr puder, faça um texto sobre as concausas do ART 13, CP e suas implicações na prática.
    Boa noite, e Deus abençoe.

    • webmaster@jimmyadvocacia.com.br disse:

      Obrigado, colega! Desejo sucesso nesta segunda fase. E farei sim um texto sobre isso. Compartilhe o escrito! Forte abraço!

  2. iruxujozi disse:

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