O princípio do promotor natural existe? E Delegado natural?



O princípio do promotor natural existe? E Delegado natural?

O princípio do juiz natural, sob o qual se entende não haver possibilidade de juízo ad-hoc, ou seja, escolhido de maneira pessoal para determinados casos ou pessoas, tem assento constitucional, conforme se vê do art. 5º, inc. XXXVII, que diz: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Ademais, há previsão expressa no próprio texto da carta maior sobre competência em razão da matéria e em razão das prerrogativas de função (CF, art. 93, art. 102, art. 105, art. 108 e art. 109).

              E quanto ao Ministério Público, haveria o princípio do promotor natural? A doutrina especializada diz que sim. PACELLI e FISCHER asseveram que é inegável tal princípio, pois há na Constituição previsão expressa quanto à atribuição do Ministério Público sobre a matéria penal e a órgãos distintos da mesma instituição (Ministério Público Federal e Ministério Público Militar, a exemplo). Caso ocorra invasão de atribuição de qualquer deles na de outro, será patente a ilegitimidade de parte. É vedada também a escolha pessoal de membros para determinadas causas, o que se extrai dos princípios da impessoalidade, da inamovibilidade e da independência funcional[1].

              DE LIMA já extrai o princípio do promotor natural a partir da redação do inc. LIII, art. 5º da CF, que dispõe ser vedado qualquer pessoa ser processada ou sentenciada senão pela autoridade competente. Tal exigência alarga-se até o Ministério Público[2]. Portanto, em conceito claro, “consiste o princípio do promotor natural no direito que cada pessoa (física ou jurídica) tem de ser processada somente pelo órgão de execução do Ministério Público cujas atribuições estejam previamente fixadas por lei, sendo vedadas designações casuísticas e arbitrárias de Promotores de Justiça (ou Procuradores da República) de encomenda após a prática do fato delituoso (post factum).[3]

              A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não reconhece a existência do princípio aludido, conforme se vê dos julgados seguintes: STF, 2ªTurma, HC 85.424/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 23/08/2005, DJ 23/09/2005, STF, 2ª Turma, HC 83.463/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 16/03/2004, DJ 04/06/2004, STF, 2ª Turma, HC 90.277/DF, Rei. Min. Ellen Grade, j. 17/06/2008, DJe 142, j. 31/07/2008.

              Doutra sorte, a jurisprudência do STJ já o encampou, como se vê do julgado a seguir: STJ, 63 Turma, HC 57.506/PA, Rei. Min. Og Fernandes, j. 15/12/2009, DJe 22/02/2010. Em oportunidade ainda mais remota, sob a sábia pena do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, no RHC 8513/81, publicado em 28/6/1999, p. 154, julgamento em 20/5/1999, Sexta Turma, soletrou-se os seus fundamentos:

              Ali, no voto, consignou-se o seguinte:

 

Paralelamente ao – juízo natural – conquista histórica e política – cumpre raciocinar com a Promotoria ou a Procuradoria natural. O – processo penal – busca realizar finalidade pública, ou seja, verificar, com a garantia do contraditório e da defesa plena, eventual infração penal, impondo-se, então, as sanções previamente cominadas. Decorre daí, o Ministério Público deve, como acontece com a magistratura, ser conhecido do réu, ensejando-lhe até o exercício do direito de averbar alguém de impedido ou suspeito. O Promotor ou o Procurador não pode ser designado sem observância de critério legal, a fim de garantir-se julgamento ímpares, isento. Veda-se, pois, o Promotor ou a Procurador ad hoc, no sentido de fixar prévia orientação, como seria odiosa designação singular de juiz para processar alguém. A conclusão, porém, não conduz à afirmação de o Promotor, o Procurador e o juiz não poderem ser designados para atuação em processo determinado. Urge, porém, respeitar a exigência legal previamente estabelecida. Assim, como pode haver o juiz auxiliar ou substituto (consoante critério anterior à designação) são viáveis o Promotor e o Procurador auxiliar ou substituto. (grifou-se)

 

              Poderia se pensar que, uma vez que a atribuição de membro do MP não é definida por lei, seria possível o manejo por mero capricho dos chefes do Parquet para que promotores atuassem em determinados casos. Mas não é assim que se deve/pode fazer.

Na prática, como a atribuição do promotor é realizada conforme regras internas do órgão, deve-se observá-las para que se permitia a atuação em determinado caso. Tais regras devem ser prévias e também respeitarem a independência funcional e inamovibilidade de todos os membros, sob pena de se violar o princípio.

Para os Delegados de Polícia infelizmente não existe o entendimento, o que é um atraso descomensurado, capaz de atrair inúmeras inclinações autoritárias, pois os chefes de polícia civil (delegados gerais e delegados regionais), comumente, avocam para si inquéritos sem qualquer fundamentação. É claro que a inamovibilidade e outras garantias não existem quanto à carreira de Delegados, todavia, pela simetria e pela finalidade, bem como pela previsão que existe muitas vezes em normativas internas, poderiam sim ser criadas regras mais rígidas quanto à preservação de autonomia e independência funcional das autoridades policiais.



[1] PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, p. 2019, 454-455, livro digital.

[2] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 7 ed. Salvador: Juspdivm, 2019, p. 1.261

[3] Idem, ibidem.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIM/MA.


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