O ciúme pode tornar o homicídio privilegiado ou qualificá-lo?



O ciúme pode tornar o homicídio privilegiado ou qualificá-lo?

Recente acontecimento na cidade de São Luís-MA, onde um policial militar foi preso em flagrante após ter atirado contra a esposa e o amante, logo depois de os flagrarem na cama do próprio quarto[1], levantou o debate sobre a motivação do homicídio que, ao que tudo parece, foi o ciúme.

            O ciúme é um sentimento complexo, ora descrito como o cuidado e zelo de quem ama, ora entendido como a fraqueza e insegurança de quem não está certo sobre o amor da pessoa com quem convive ou como demonstração de intenções de posse.

            O professor ROQUE DE BRITO ALVES, estudioso do tema, em artigo publicado no Diário de Pernambuco, disse: “É tese nossa que do mesmo modo que alguém que sofre de depressão está a um passo de cometer suicídio – o que inúmeras estatísticas provam – , quem é escravo do ciúme está a um passo de praticar homicídio ou lesões corporais (os denominados “delitos de sangue”), o que também as estatísticas evidenciam, sobretudo nos países latinos.” (grifou-se)

            O notável professor da faculdade de direito da Universidade Federal de Pernambuco afirma que o crime cometido por ciúme é muito comum nos países latinos e de pouca ocorrência nos países escandinavos. A violenta emoção causada pelo ciúme pode ser acionada por sustos, surpresas, perdas irreparáveis, situações de toda sorte capazes de abalar completamente e de inopino a estrutura emocional da pessoa.

            Atento à esta complexidade dos sentimentos humanos é que o legislador brasileiro estatuiu, por exemplo, a figura do homicídio privilegiado, previsto no §1º, art. 121 do CP: “ §1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

            Numa rápida análise, é sabido que o ciúme, causando a violenta emoção e alijado de qualquer outra circunstância relevante, não pode afastar a responsabilidade penal, a teor do art. 28, I, do CP[2].

            Todavia, conforme leitura mais acurada do citado §1º do art. 121, percebe-se que a violenta emoção é tratada de forma especial, pois, somada à injusta provocação da vítima, poderá, apesar de condenado, ter o réu sua pena reduzida.

            E assim, conclui-se que o ciúme, apesar de não afastar a responsabilidade penal, dependendo das circunstâncias, sobretudo naquelas em que nos autos esteja caracterizado pelo zelo e cuidado que autor tinha sobre a vítima, longe de um comportamento perigoso e anormal, poderá caracterizar a privilegiadora da violenta emoção, inserta no §1º, art. 121 do CP. Diferentemente, quando o ciúme estiver circundado por uma relação de posse e violência, certamente acabará por qualificar o homicídio por motivo torpe ou motivo fútil, conforme preconiza o §2º, art. 121 do CP.

            Essa é a mesma posição de NUCCI[3]: “Dependendo de cada agente e vista a situação de modo particular, o ciúme tanto pode ser motivação relevante quanto fútil. Aliás, pode, igualmente, não representar motivo especial para aumentar ou diminuir a pena. Ilustrando: a) o ciúme egoístico, baseado em puro sentimento de posse, pode representar motivação fútil ou torpe; b) o ciúme, quando fundado em excessivos modos de expressar amor, cuidado, carinho e zelo, pode servir de base à motivação relevante.


[1] Encontrado em https://imirante.com/sao-luis/noticias/2020/01/25/policial-militar-mata-esposa-e-suposto-amante-a-tiros-no-vicente-fialho-em-sao-luis.shtml. Acesso em 29 jan 2020.

[2] Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão; (…)

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. São Paulo: Forense, 2017, p. 445, livro digital.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA, especialista em ciências penais e ex-policial civil.


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