Norma penal em branco e denúncia inepta



Norma penal em branco e denúncia inepta

O exame prelibatório realizado pelo juízo quando da aceitação da denúncia criminal deve ser balizado pelos arts. 41 e 395 do Código de Processo Penal. Na leitura do art. 41 citado, vê-se: “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

São estes aportes que viabilizam a defesa plena do Acusado, guarnecendo assim a declaração principiológica do contraditório. É que em face do princípio do in dubio pro reo, não há um equilíbrio entre as partes no sentido do livramento de cargas assim como na necessidade de aproveitamento das chances processuais. Portanto, como afirma JARDIM, “a ilicitude ou culpabilidade devem ser depreendidas das circunstâncias do fato principal, narradas necessariamente na peça acusatória, sendo ônus do autor provar suficientemente a existência destas circunstâncias que afirmou[1].

No mesmo sentido é o ensinamento de GRINOVER, SCARANCE FERNANDES e GOMES FILHO[2]: “A instauração válida do processo pressupõe o oferecimento de denúncia ou queixa com exposição clara e precisa de um fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (art. 41 do CPP), isto é, ‘não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que a determinaram  a isso  (cur), a maneira por que a praticou (quomodo), o lugar onde praticou  (ubi), o tempo (quando)’ (João Mendes Junior) (grifou-se).

Desta feita, a exposição do fato criminoso inclui a obrigatoriedade de se revelar uma corroboração probatória mínima da materialidade e da autoria, excluída aí a simples imputação de ter agido a provocar a resultado, pois, apenas isso, como se diz urbi et orbi, é insuficiente para não só sufragar uma pena criminal, como também de dar início a um processo.

Ao lado disso, tem-se o conceito de norma penal em branco, que é aquela que depende de um complemento normativo para sua efetiva integralização ao fato que regula. A exemplo, o art. 268 do Código Penal, que tipifica a infração de medida sanitária preventiva: “Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Considerando o que se disse inicialmente sobre os requisitos da denúncia, conclui-se que se o promotor de justiça, em casos como este do delito citado (lei penal em branco), não aponta na exordial acusatória a norma complementadora do preceito incriminador, ou seja, qual determinação do poder público que fora infringida (portaria, resolução, etc) estará incorrendo em inépcia, a impossibilitar a subsunção do fato à norma e o exercício do contraditório em razão desta omissão.

Nesse sentido é a advertência de BITENCOURT: “Aliás, tratando-se de norma penal em branco, a própria denúncia do Parquet deve identificar qual lei complementar satisfaz a elementar exigida pela norma incriminadora, ou seja, deve constar da narrativa fático-jurídica qual lei desautoriza a prática da conduta imputada, sob pena de se revelar inepta, pois a falta de tal descrição impede o aperfeiçoamento da adequação típica.[3]



[1] JARDIM, Afrânio Silva Jardim. Direito Processual Penal. 11 Ed. Editora: Forense, 2015, p. 214.

[2] GRINOVER, Ada Pelegrini; SCARANCE FERNANDES, Antonio; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Nulidades do Processo Penal. 11 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 90-91.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte geral. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 300, livro digital.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIM/MA.

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