Linguagem e advocacia criminal – fracasso e sucesso.



Linguagem e advocacia criminal – fracasso e sucesso.

Numa era em que o efêmero e o líquido (para tomar a já gasta expressão de Bauman[1]) se projetam como substância vital da sociedade, qualquer tarefa que demande uma diligência maior parece ser repelida de plano, como se, por esta característica mesma, não fosse capaz de levarmo-nos à conquista que queremos.

A advocacia sofre com essa conjuntura e procura atender esta demanda social de velocidade, de troca de informações com nomes abreviados e palavras escritas na forma de redes sociais.

Conclui-se, sem dúvida alguma, que a advocacia mudou, está mudando, e continuará a mudar. Entre Rui Barbosa e a atualidade, porém, haveria algum núcleo duro, indene ao tempo, que serviria de base a todos quanto desejassem se empenhar na combativa arte de advogar? Alguma coluna sustentaria, tanto lá, quanto cá, os advogados que pretendessem assomar à tribuna, escrever suas defesas, atender clientes, enfim, ser advogado criminal? Bem, penso que sim.

Em um vídeo pouco conhecido, não se sabe o motivo (mas desconfia-se), o famoso e profícuo jurista Miguel Reale, ao ser entrevistado no programa Roda Viva ainda no ano 2000, afirma categoricamente que, hoje, o bacharel em direito preocupa-se mais com o direito que com a linguagem, chegando a um certo desprezo pelo idioma. Disse ele que o domínio da linguagem é a carência maior dos bacharéis, primeiro erro que os fazem soçobrar no mercado competitivo e não manter uma razoável vida de resultados satisfatórios.

Este desprezo é decorrente do sucateamento a que foi submetido nossa educação de base durante longos anos, bem como pela forma utilitarista de se enfrentar a vida intelectual desde o início[2], com facilidades, dissimulação e distribuição insensata de responsabilidades que só cabiam a quem teria o ônus de enfrentá-las.

Nestas circunstâncias, proliferou-se uma daninha postura de se encarar a maneira como se fala, como se escreve, como se lê e como se expressa. Toda manifestação equivocada agora é entendida como expressão da individualidade que merece ser preservada a qualquer custo, mesmo sob o sacrifício do que é correto. Como exemplo também, a literatura machadiana, no campo da escrita talvez o cume de nosso melhor emprego do idioma em terras brasileiras, somente é louvada por alguns, que na imprensa e mídia em geral não têm qualquer alcance, o que é de se lamentar.

Não bastasse, juristas conhecidos, igualmente, já têm defendido, com aquele tom catedrático de opinião revolucionária, a utilização de expressões como “alunxs”, “meninxs”, entre outros neologismos de profundo compromisso ao Zeitgeist, mas total aversão ao que tão bem cultivou Camões e Bilac. A “última flor do lácio” mais parece um arbusto de beira de estrada, esquecido por quase todos e lembrado apenas por acidente de percurso.

Advogar no âmbito criminal é entremear-se com os mais sagazes dramas da vida. Como refleti-los, reverberá-los, e, muitas vezes, tentar justificá-los, se a concha do vocabulário não consegue catar as expressões, as idiossincrasias? Como tomar a atenção do julgador, do acusador, e, num primeiro momento, do cliente, se não há qualquer aproximação por meio daquilo que é a primeira forma de se conectar com o mundo e entendê-lo, a linguagem?

Não se requer do operador o emprego do falar pesado, ininteligível, rabiscado com falsa intelectualidade. Requer-se apenas o respeito mínimo, próprio de quem esteja sempre humilde diante das palavras, escritas ou faladas, honrando sua profissão acima de tudo, disposto a aprender.

A advocacia criminal sempre foi lembrada por ter como expoentes grandes oradores, capazes de dominar a atenção de seus ouvintes por meio do falar preciso, que não fabricava atalhos perdidos no idioma, mas que o talhava com precisão, respeitando a tradição conservada com muito esmero, por tantos anos, por quem ousou disciplinar-se na arte do belo.

O advogado criminalista que hoje manifesta sua despreocupação com a linguagem, que concluiu ser importante cuidar de captar clientes, mas não os conservar por meio do tratar linguístico, está fadado a ter voo de galinha, de pouca duração e baixa altitude.

Nosso idioma é espada e broquel, serve-nos ao ataque e à defesa, consoante reclamem as situações. É também vitrine de nossa personalidade e reflexo de nossa (pouca ou muita) sofisticação intelectual. Aos operadores, pois, mergulhem nas palavras, respeitem-nas, para que assim elas devolvam o melhor de si mesmas a seus cultores, em forma de conquista, respeito e sucesso.


[1] Ver BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2001.

[2] Ver SERTILLANGES, Antonin-Gilbert. A vida intelectual – seu espírito, suas condições e seus métodos. São Paulo: É Realizações, 2010.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIM/MA.


2 comentários

  1. Michelli disse:

    Parabéns Dr! Muito bem colocado suas palavras.

  2. Aqui é a Carla Da Silva, gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.

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