E se você sofrer uma condução coercitiva à Delegacia, o que fazer?



E se você sofrer uma condução coercitiva à Delegacia, o que fazer?

Jamais na história recente de nossa Constituição se utilizou tanto a chamada “condução coercitiva”, cuja nomenclatura, mas não o conceito, é disseminada quase que diariamente pela imprensa.

Mas do que se trata a “condução coercitiva”? A resposta ganha a estima de saber popular uma vez que qualquer de nós poderá ser submetido à tão vexatória situação.

São vários os conceitos trazidos pelos autores nacionais, porém, o que mais se nos revelou adequado para a proposta deste escrito fora aquele trazido pelo sítio da Wikipedia[1], que, apesar de correr o risco da atecnicidade, afirma: “é uma forma impositiva de levar sujeitos do processo, ofendidos, testemunhas, acusados ou peritos, independentemente de suas vontades, à presença de autoridades policiais ou judiciárias.

Frise-se desde já que não há qualquer objeção doutrinária e jurisprudencial quanto à condução da testemunha, consoante se vê dos arts. , III, e 218, todos do CPP (STF, HC. 107.644), bem como há de se estabelecer a diferença entre a condução que aqui tratamos e aquela realizada por ocasião da prisão em flagrante, cujos atos precários se revestem do atributo da imediatidade e da teoria dos poderes implícitos (STJ, RHC 25.475).

Trabalhando o argumento segundo a pirâmide kelseniana, a Constituição não dispõe estritamente sobre a condução coercitiva, mas traz diretivas sobre a intervenção penal na liberdade do cidadão, determinando que a prisão só ocorrerá em flagrante delito ou por decisão devidamente fundamentada da autoridade judiciária, à exceção das infrações militares (art. 5º, LXI[2]).

Em seguida, o Código de Processo Penal, recepcionado que foi pela Constituição de 88, assevera em seu art. 260, agora especificamente com relação ao Acusado/Investigado, que se este “não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352[3], no que Ihe for aplicável”.

Como o Investigado poderá permanecer detido em Delegacia, contra sua vontade, até a realização do ato para o qual foi intimado, revela-se a condução coercitiva uma verdadeira prisão cautelar de curta duração[4], o que permite afirmar que a ordem (escrita, frise-se) para a condução não poderá partir de qualquer autoridade (policial, por exemplo), mas sim da autoridade judiciária[5]. Tanto é verdade que atualmente nem mesmo a prisão em flagrante prende por si só, devendo ser convertida pelo juiz em prisão em prisão cautelar se preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP.

É importante explicitar que, todavia, há quem defenda a inconstitucionalidade da condução coercitiva do Investigado[6], uma vez que assistiria a este, mesmo em sede policial, o exercício da autodefesa por meio do princípio nemu tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, bem como a própria existência do princípio da presunção da inocência, concebido na sua forma de tratamento pessoal[7]. Filiamo-nos a esta corrente, mas adiante se explicitará os requisitos, considerando que a prática é recorrente no cotidiano da justiça criminal.

São nestas passagens normativas citadas que extraímos o arcabouço principiológico para realização da condução coercitiva. São quatro requisitos, a nosso sentir: 1) intimação regular, seguindo os elementos do art. 352 do CPP; 2) ausência de atendimento justificado ao comando intimatório; 3) impossibilidade de realização do ato, por outras formas, a ser praticado pelo Acusado; e 4) ordem de condução escrita e devidamente fundamentada pela autoridade judiciária;

Dito isto, cotejando o que se ocorre na prática e o que claramente determina a lei e a Constituição, há aberrante divergência que sinaliza a prática ilegal da persecução penal para outros atos futuros, inclusive. É dizer, se não combatido desde já, se espraiará a outras situações como erva daninha. É tentador exercer o poder fora dos limites da lei se acreditamos justificarem-se os meios em detrimento dos fins. A dependência psíquica que aqui se cria é capaz de arrebatar os espíritos mais nobres.

A condução coercitiva vai ganhando ares de midiatização da persecução penal para efeito de apelo popular, apesar de ilegal. O nó górdio é que as ilegalidades tidas como mínimas são como ovo da serpente, não divulgadas, mas lesivas às garantias fundamentais. Não se pode concebê-la, pois, “como instrumento de intimidação ou, na pior das hipóteses, como meio de tortura flex que gera e fortalece arbitrariedades[8].

Qual, então, sua lógica? Absolutamente nenhuma! Se ao investigado é concedido o direito, não o dever, de através do silêncio se autodefender, qual outra finalidade seria atingida caso fosse conduzido coercitivamente e em Delegacia permanecesse calado? Não há outra. O resultado é o mesmo[9].

Portanto, de se indagar novamente: o que fazer caso seja coercitivamente conduzido à Delegacia? Procure um advogado criminalista urgentemente! Não é em tom jocoso que aqui se fala, apenas porque o articulista é um advogado. É que na verdade nunca se sabe quando uma “simples” condução coercitiva será o nascedouro, mas à frente, inclusive durante o próprio interrogatório, das mais abjetas arbitrariedades.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Condução_coercitiva.

[2] Art.5ºº LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

[3]CPPP, Art.3522. O mandado de citação indicará: I – o nome do juiz; II – o nome do querelante nas ações iniciadas por queixa; III – o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos; IV – a residência do réu, se for conhecida; V – o fim para que é feita a citação; VI – o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer; VII – a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13 ed. Rev. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

[5](…) f) condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia. Neste último caso, por se tratar de modalidade de prisão (quem é conduzido coercitivamente pode ser algemado e colocado em cela até que seja ouvido pela autoridade competente), somente o juiz pode decretá-la. Aliás, nessa ótica, cumpre ressaltar o disposto no art. 3.º da Lei 1.579/52 (modificada pela Lei 10.679/2003): “Indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal. § 1.º Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal”. Demonstra-se, pois, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, cujo poder investigatório, segundo a Constituição Federal (art. 58, § 3.º), é próprio das autoridades judiciais, não devem ter outro procedimento senão o de requerer ao magistrado a intimação e condução coercitiva da testemunha para prestar depoimento. Logo, nenhuma outra autoridade pode prender a testemunha para conduzi-la à sua presença sem expressa, escrita e fundamentada ordem do juiz competente (art. 5.º, LXI, CF)”. Encontrado em <http://www.guilhermenucci.com.br/dicas/especies-de-prisão-processual-cautelar-quanto-ao-momento-de-decretacao>. Acesso em 02 fev 2017.

[6] Por todos, LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 9 Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 760-761 e DELMANTO JR., Roberto. Inatividade no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 192-193.

[7] Ver ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010, no qual o autor fala sobre o dever de tratamento dado ao acusado conforme a presunção de inocência.

[8] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 3 Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016, p. 241.

[9] MORAIS DA ROSA, Alexandre; AGUIAR, Michelle. O regime da condução coercitiva no Processo Penal do Espetáculo. Encontrado em http://emporiododireito.com.br/qualoregime-da-conducao-coercitiva-no-processo-penal-do-espetaculo-por-alexandre-morais-da-rosaemichelle-aguiar/. Acesso em 02 fev 2017.

 

Por: Jimmy Deyglisson Silva de Sousa


Um comentário

  1. Aqui é a Carla Da Silva, gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.

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