Descumprimento de medida protetiva agora é crime. Breves comentários.



Descumprimento de medida protetiva agora é crime. Breves comentários.

Recentemente entrou em vigor a Lei nº 13.641/18 que alterou a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), criando, no corpo desta, o delito de descumprimento de medidas protetivas de urgência, aumentando ainda mais o já extenso rol de crimes que grassam no ordenamento jurídico brasileiro.

De antemão é importante clarear que a Lei Maria da Penha foi instituída como mecanismo legislativo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher (LMP, art. 1º). Porém, resultado divulgado em 2013 de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que analisou os homicídios praticados contra mulheres durante o interstício de 2001 a 2011, concluiu que a Lei se mostrou ineficaz, pois “as taxas de mortalidade foram 5,28 por 100 mil mulheres no período 2001 a 2006 (antes da lei) e de 5,22 em 2007 a 2011 (depois da lei)[1], uma diferença imperceptível se considerarmos a taxa de erro de qualquer estudo dessa natureza.

Posteriormente, em 2015, o mesmo Instituto, se utilizando de um eufemismo com finalidades inconfessáveis, concluiu que a Lei Maria da Penha ajudou a diminuir em 10% os homicídios contra mulheres[2]. No entanto, ao se ler o conteúdo dos comentários do resultado[3], na verdade não houvera diminuição em relação aos números de homicídios já praticados, pois estes permaneceram os mesmos. A diminuição ocorrera com relação à “projeção” dos homicídios que eram esperados. É dizer, de acordo com o raciocínio pouco convencional dos comentaristas tecnocratas do governo, bastaria aumentar a projeção para que a porcentagem de diminuição aumentasse também. É o exercício de futurologia a serviço (?) das políticas públicas contra violência contra mulher.

Mas deixemos essa considerações por aqui para adentrarmos à análise da incidência deste novel delito que é assim descrito:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

O crime se perfaz quando o juízo determina as medidas protetivas de urgência e o agressor, após intimado, descumpre quaisquer delas. Portanto, é crime próprio, pois somente aquele contra quem foram deferidas as medidas é que pode cometer o crime. Cabe assentar desde já que o crime em questão é de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/99, art. 61), porém, a ele não se aplicam as medidas despenalizadoras (LMP, art. 41).

Assim, diante de eventual descumprimento, a vítima poderá acionar a polícia que, acaso detenha o agente, deverá encaminhá-lo à Delegacia para que ali se lavre o Termo Circunstanciado de Ocorrência, ou Auto de Prisão em Flagrante, em se tratando de conduta que seja também tipificada como crime que envolva violência, independentemente da pena abstratamente a este aplicada, sem prejuízo da autuação pelo referido crime de descumprimento.

Percebe-se que assim poderá ocorrer a hipótese em que a conduta caracterizadora do descumprimento se amolde a outro tipo, além deste do descumprimento, como, por exemplo, se o agressor, já intimado a cumprir as medidas protetivas, praticar ameaça (CP, art. 147) ou lesão corporal (CP, art. 129). Neste caso, poderia haver aqui bis in idem?

Entendemos que não. Imaginemos a hipótese em que o agressor descumpre a medida protetiva praticando um ato de ameaça. Estaria caracterizado, desta forma, tanto o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência quanto o de ameaça, pois são normas que tutelam bens jurídicos diferentes, apesar de, eventualmente, ocorrer, como na hipótese dita, de uma mesma conduta se amoldar a dois tipos penais distintos. A conjectura aqui é de que houve concurso formal (CP, art. 70[4]), pois o agente, mediante uma só ação, praticara dois ou mais crimes não idênticos, caso em que se deverá aplicar a pena mais grave das cabíveis.

Havendo descumprimento, mas sem a prática de qualquer outro crime por meio desta conduta, deverá a Autoridade Policial lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência relativo ao tipo penal do art. 24-A da Lei nº 11.340/06, para a qual não se exige fiança, segundo o parágrafo único do art. 69 da Lei dos Juizados[5], uma vez que se trata de crime de menor potencial ofensivo.

Acaso o agressor, ao descumprir a medida, também pratique formalmente ou materialmente outro delito que não seja de menor potencial ofensivo, deverá a Autoridade Policial lavrar o Auto de Prisão em Flagrante. Contudo, ainda que a pena do delito abstratamente cominada seja abaixo de 04 (quatro) anos[6], não poderá ele arbitrar fiança, somente o juízo, conforme dicção do § 2º do Art. 24-A da LMP.

Já o § 3º afirma que a incidência do tipo penal de descumprimento não inibe a possibilidade de se adotar outras medidas mais gravosas, como por exemplo a prisão preventiva. É que o caráter progressivo das medidas protetivas ensina que ao juízo faculta-se a utilização de outras sanções à medida em que as anteriores se revelem ineficientes para a coibição da prática criminosa.

Torna-se mais sensível agora o tratamento daquele que descumpre medida protetiva, tudo na intenção de que se diminuam as ocorrências de desobediência às cautelares em favor da mulher. Todavia, como registrado no início do texto, corre-se o risco de, mais uma vez, vivenciarmos a ineficiência do tipo penal diante de um problema cuja solução nos parece ser outra. A esperança, contudo, é que estejamos errados.

Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA.


[1]http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/lei-maria-da-penha-nao-reduziu-morte-de-mulheres-por-viol…

[2] http://www.ipea.gov.br/participacao/noticiasmidia/direitos-humanos/1223-ipea-lei-maria-da-penha-redu…

[3]Aparentemente, a Lei Maria da Penha teve papel importante para coibir a violência de gênero, uma vez que a violência generalizada na sociedade estava aumentando. Ou seja, num cenário em que não existisse a Lei Maria da Penha, possivelmente as taxas de homicídios de mulheres nas residências aumentariam”. A palavra “aparentemente”, de início, dissolve a esperada seriedade do comentário, que deveria ser técnico.

[4]Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

[5] Lei nº 9.099/99, art. 69, parágrafo único: “Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança” (grifou-se).

[6] CPP, art. 322: “A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos

 

Por: Jimmy Deyglisson Silva de Sousa


2 comentários

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