Da indispensável e necessária bilateralidade no crime de corrupção passiva – aspectos dogmáticos e práticos



O delito de corrupção passiva é assim descrito no art. 317 do Código Penal: “Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”. Como se vê, as condutas típicas são “solicitar”, “receber” ou “aceitar”.

O crime de corrupção ativa, de sua vez, consta do art. 333 da lei objetiva, nos seguintes termos: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.” Nota-se que os núcleos verbais são “oferecer” ou “prometer”.

Tendo isso em conta, é manifesto o adágio popular segundo o qual “onde há um corrupto, ali também há um corruptor”, e, embora não se possa dar ares de generalidade a esta afirmação, o conhecido ditado tem sim seu fundo de verdade, respaldado pela lógica da dinâmica dos comportamentos e pela melhor doutrina.

É claro que se entende possível a corrupção ativa sem a passiva, e vice-versa, com o que se está de acordo. Todavia, em dois casos específicos, é indispensável a bilateralidade, que é prática da corrupção passiva em conjunto à corrupção ativa.

Conforme ensina BITENCOURT[1], na bilateralidade “não há a modalidade passiva sem a ativa (embora o inverso não seja verdadeiro), quais sejam nas hipóteses de receber e aceitar, que, necessariamente, pressupõem a oferta ou a promessa de alguém” (grifou-se).

Para que não pareça tese isolada, a pena de HUNGRIA[2] é no mesmo sentido, quando afirma:

 

“Perante nosso Código atual, a corrupção nem sempre é crime bilateral, isto é, nem sempre pressupõe (em qualquer de suas modalidades) um pactum sceleris (…). O pactum sceleris ou bilateralidade só se apresenta nas modalidades de recebimento da vantagem indevida ou da aceitação da promessa de tal vantagem por parte do intraneus [corrompido], ou da adesão do extraneus [corruptor] à solicitação do intraneus, ou nas formas qualificadas previstas nos §1º e parág. único, respectivamente, dos arts. 317 e 333”. (grifou-se)

 

Este entendimento foi acompanhado por COSTA JUNIOR[3], que assim se manifestou: “das modalidades de corrupção passiva previstas em lei, ao menos duas, receber e aceitar, importam na bilateralidade da conduta” (grifou-se).

Em linha simétrica também FRAGOSO[4], que pontificava: “na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente sem a do correspondente autor da corrupção ativa” (grifou-se).

Magistral é o escólio de REGIS PRADO[5], que faz coro aos outros grandes juristas citados: “Tanto no recebimento como na aceitação da promessa perfaz-se também o corresponde delito de corrupção ativa (art. 333).”

Portanto, a prática da corrupção do funcionário público (passiva) corresponde sempre à ação de um agente particular, que, de alguma maneira, promove a corrupção (ativa), especialmente nas modalidades de receber e aceitar promessa de vantagem, sendo, por conseguinte, impossível a ocorrência de um crime, nas modalidades citadas, sem a do outro. Em resumo, quem recebe, recebe de quem entregou; quem aceita, aceita de quem ofertou.

Essa compreensão também tem relevância para a processo penal, na medida em que, empreendida uma investigação sobre crime de corrupção passiva, jamais poderá a autoridade investigadora deixar de valorar se houve a prática de corrupção ativa.

E mais! Havendo a constatação de que houve a corrupção passiva na modalidade “receber” ou “aceitar”, tendo em vista a necessária bilateralidade, a autoridade que investiga deverá, ao final dos trabalhos, expor os fundamentos pelos quais ocorrera (ou não) a corrupção ativa, pois, de duas, uma:

  1. ou os corruptores passivos não praticaram o crime na modalidade “receber” ou “aceitar”, o que afastaria a necessária bilateralidade e a ocorrência da corrupção ativa;
  2. ou as cometeram, o que implicaria que as investigações não estariam concluídas quanto à corrupção ativa, ao menos no que toca à autoria.

Acaso não haja a exposição dos fundamentos pelos quais não se investigou ou não se indiciou ou se processou os corruptores ativos, nas modalidades atinentes à bilateralidade, deve o representante do Ministério Público requerer abertura de investigação para apuração dos fatos, sob pena de se processar e condenar alguém que fora corrompido, mas, por razões, às vezes inconfessáveis, deixar de processar quem o corrompeu.

Esta lógica é amparada pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada (gênero do qual o princípio da indivisibilidade é espécie, segundo alguns), pois, conforme NUCCI[6]: ”(…) quando o promotor toma conhecimento de quais são os autores do crime, deve ingressar com ação penal contra todos, não porque a ação penal pública é indivisível, mas porque é obrigatória”.

Mais uma vez, tomando por base a bilateralidade, é no mínimo estranho, ou, no máximo, leviano, por exemplo, o representante ministerial denunciar um cidadão por corrupção passiva por ter aceitado vantagem indevida, mas deliberadamente negligenciar quem a ofertou, fazendo ouvidos moucos à lógica elementar da dinâmica do comportamento criminoso, sem se indagar, sem demonstrar qualquer interesse, até mesmo na instrução processual, de quem cometera a corrupção ativa.

O entendimento se alia aos interesses do acusado também, pois em sendo processado o corruptor passivo, mas não o sendo o corruptor ativo, nas modalidades da bilateralidade, certamente a persecução estará padecendo de algum vício, alegável na primeira oportunidade em que couber à defesa se manifestar.

Portanto, sendo condenado por corrupção passiva nestas espécies, e, inexistindo no processo a valoração sobre a corrupção ativa ou mesmo um segundo processo que venha a apurá-la, o Acusado, após o trânsito em julgado, poderá requerer investigação sobre a prática de corrupção ativa e, caso se conclua que esta não ocorrera, ingressar com revisão criminal (CPP, art. 621, I[7]), na intenção de rescindir o decreto condenatório, ante a aplicação da regra da bilateralidade.

[1] BITENCOURT, Cezar Robert. Tratado de Direito Penal. 5 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118.

[2] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. 9. Rio de Janeiro: Forense, 1959, 429-30.

[3] COSTA JR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 470.

[4] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Especial. 11 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 416.

[5] REGIS PRADO, Luiz. Tratado de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial. v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 143.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13 ed. São Paulo: Editora Forense, 2016, p. 23, arquivo epub.

[7] “Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida: I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; (…)”

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA, especialista em ciências penais.


2 comentários

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