Considerações sobre a teoria da adequação social



Considerações sobre a teoria da adequação social

A teoria da adequação social é uma formulação de HANS WELZEL, segundo a qual é um irrelevante penal a conduta que se amoldou à ordem ético-social da vida comunitária. Ensina ROXIN, citando-o: “Su idea básica es que aquellas acciones que se ‘mueven dentro de lo que históricamente ha llegado a ser el orden ético-social de la vida en comunidad’, y que por tanto son ‘socialmente adecuadas’, no pueden encajar nunca en un tipo, aunque segiin su tenor literal se las pudiera subsumir en el mismo[1].

Em outras palavras, mesmo que a ação se amolde, em tese, à descrição típica, faltaria a ela a tipicidade material, intimamente ligada à valoração negativa (ou desvaloração) necessária para que se configure o delito. Haveria contradição em utilizar-se do direito penal para censurar conduta que a comunidade tolera e fomenta, ou seja, socialmente adequada[2].

A primeira função da teoria seria, conforme ensina GRECO, “é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade[3]. A segunda, direcionada ao poder legislativo, se dividiria em duas vertentes: “A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi​-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe, portanto, como norte[4].

Em segundo lugar, “destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade[5].

Discute-se qual a natureza e os efeitos da teoria da adequação social, se afastaria a tipicidade ou a ilicitude, mas a maior parte da respeitável doutrina estrangeira e nacional tem entendido que se trata apenas de regra de interpretação, dada a imprecisão e vagueza de seu conceito e aplicação[6].

A exemplo do que seriam condutas socialmente adequadas e permitidas, estariam as lesões corporais produzidas pelos jogadores durante a partida de futebol ou quando os pais furam as orelhas de suas filhas menores para colocarem brincos, embora, no primeiro caso, já exista discussão de indenização na esfera cível[7].

Por ter um conceito lacônico, a adequação social não tem sido aceita por nossos tribunais quando utilizada para tentar afastar a tipicidade de condutas que são toleradas pelo meio social, a exemplo da exposição à venda de cd’s piratas, conduta típica do §2º, art. 184 do Código Penal:

 

PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE MATERIAL DO FATO DELITIVO. PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL DA CONDUTA. INAPLICABILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. No caso, não se observa flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. 2. No que se refere à execução provisória da pena, consigno que, após o julgamento do Habeas Corpus n. 126.292/SP (STF, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/02/2016), esta Corte passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a Recurso Especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Em outras palavras, voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos da Súmula nº 267/STJ. 3. A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento da RCL 30.193/SP, firmou entendimento de que, com a nova orientação da Suprema Corte, nos autos do HC 126.292/SP, “a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena”. 4. Esgotadas as instâncias ordinárias, a interposição de recursos especial e extraordinário não obsta a execução da decisão penal condenatória, sendo descabido perquirir a presença de motivação cautelar idônea, nos moldes do art. 312 do CPP, bem como valorar as circunstâncias pessoais alegadamente favoráveis do réu, por não se tratar de Decreto de prisão preventiva. 5. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP n. 1.193.196/MG, sedimentou entendimento no sentido da inaplicabilidade do princípio da adequação social e da insignificância ao delito descrito no art. 184, § 2º, do Código Penal, sendo considerada materialmente típica a conduta. 6. Writ não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 437.023; Proc. 2018/0033138-0; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; Julg. 17/04/2018; DJE 24/04/2018; Pág. 1725) CF, art. 5 CPP, art. 312 CP, art. 184 (grifou-se)

 

Na esteira do julgado, o professor ANDRE ESTEFAM, ao tecer crítica sobre o conceito, afirma que não se deve confundir a tolerância com leniência ou indulgência. É o que ocorre, segundo ele, com a contravenção penal do jogo do bicho, que, mesmo tolerada, serve de fomento à criminalidade organizada que a utiliza para corrupção das forças policiais e quase sempre está atrelada a outros delitos mais graves, como tráfico de drogas[8].

Destarte, a teoria da adequação social tem seu lugar dogmático no estudo da aplicação e interpretação da lei penal, porém, em razão de sua imprecisão semântica, deve ser utilizada cum grano salis.



[1] ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General, t. 1. 1 ed. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p. 293.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – v. 1. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 78, livro digital.

[3] GRECO, Rogério. Direito Penal – Parte Geral. 19 ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 136, livro digital.

[4] Idem, ibidem.

[5] Idem, p. 137.

[6] BITENCOURT, 2018, p. 80.

[7] NUCCI, Guilherme de Sousa. Curso de Direito Penal – Parte Geral. v. 1. São Paulo: Forense, 2017, p. 433, livro digital.

[8] ESTEFAM, Andre. Direito Penal – Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 161, livro digital.

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIMA/MA.


2 comentários

  1. Cursos Online disse:

    Aqui é a Fernanda Lima , gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.

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