Comentários à alteração do crime de denunciação caluniosa.



Comentários à alteração do crime de denunciação caluniosa.

A lei 14.110/20 alterou a redação do caput do art. 339 do Código Penal, crime de denunciação caluniosa, modificando-lhe o alcance típico. Analisemo-la.

A antiga redação assim previa: “Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”.  

A nova redação prevê desta forma: “Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente.

De início, percebe-se que a expressão “investigação policial” foi substituída por “inquérito policial”. Esta alteração coloca, aparentemente, uma pá de cal sobre antiga celeuma doutrinária que, no escólio de HUNGRIA, entendia a expressão “investigação policial” como qualquer expediente administrativo policial destinado a verificar autoria e materialidade de um fato supostamente criminoso, ainda que não revestido das formalidades próprias de um inquérito[1]. Da mesma forma GRECO[2].

NUCCI, de sua vez, compreendia que “investigação policial” só poderia se referir ao inquérito policial propriamente dito, não podendo se equiparar ao mero boletim de ocorrência ou atos investigativos isolados[3]. Agora, porém, diante da redação atual, o legislador não deixou margem à dúvida, pois a expressão “inquérito policial” é clara e possui até mesmo definição legal, contida no §1º do art. 2º da lei nº 12.830/12: “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Todavia, de acordo com esta redação da lei 12.830, criada no ano de 2012, pode a legislação criar outro procedimento destinado à investigação, que seja conduzido por delegado, mas que não seja denominado inquérito policial. Em ocorrendo esta hipótese, seria este procedimento um elemento normativo apto a configurar o delito de denunciação caluniosa?

Apesar de vingar no direito penal o princípio da legalidade penal, a regra da interpretação extensiva (lex minus dixit quam voluit) permite-nos estender o sentido da norma para que se acolha no âmbito típico, neste caso, qualquer investigação, nos mesmos moldes do inquérito policial, que seja conduzida por delegado de polícia, pois a intenção do legislador ao criar a lei 12.830/12 não foi, como indica a redação do dispositivo, tornar a expressão “inquérito policial” a única a nominar o conjunto de atos investigativos da autoridade policial. Neste sentido, fazemos um adendo ao posicionamento de NUCCI, pois entendemos que, apesar de hoje a expressão inquérito policial ter seu conceito legalmente descrito, acaso venha a ser substituída por outra ou o legislador nacional crie outra modalidade de investigação nos mesmos moldes, tal mudança não deverá afetar a proteção do bem jurídico albergado pelo art. 339 do Código Penal.

A alteração também incluiu a expressão “procedimento investigatório criminal”, que poderia, numa análise mais apressada, ser entendida como uma ampliação do conceito de inquérito policial. Mas, na verdade, trata-se de procedimento próprio, regulado pela Resolução nº 181, de 07 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre a instauração e tramitação de procedimento investigatório criminal a cargo do Parquet.

Estes procedimentos, antes raros, agora são realizados com frequência diante da atual compreensão sobre a possiblidade de o Ministério Público presidir atos investigatórios. Diz-se que, se pode o mais (denunciar), pode o menos (investigar).

Outro acréscimo ao caput foi a inclusão de dar causa à instauração de processo administrativo disciplinar. Salutar a mudança, pois é sabido que, muitas vezes, a repercussão do PAD pode ser até mais grave que a investigação criminal.

O dolo pode abranger, agora, não somente o crime de que sabe inocente, mas até mesmo a infração ético-disciplinar ou ato ímprobo. Desta forma, conclui-se revogado tacitamente o art. 19 da lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), cuja redação é a seguinte: “Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Por fim, não mais consta como tipificado dar causa à instauração de investigação administrativa, que não é o mesmo que procedimento administrativo disciplinar. A ausência da expressão, na prática, não redundará em mudança significativa, uma vez que os PAD’s servem justamente para apurar (investigar) a conduta do servidor público e em todas as carreiras está disciplinado em legislação específica, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.


[1] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. v. IX, p. 461.

[2] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11 ed. Niterói: Impetus, 2017, livro digital, p. 1.759.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. São Paulo: Forense, 2017, p. 898, livro digital.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, especialista em ciências penais e vice-presidente da ABRACRIM-MA.


4 comentários

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