Busca/revista pessoal e ilegalidade. Dica para o advogado criminalista



Busca/revista pessoal e ilegalidade. Dica para o advogado criminalista

A busca pessoal é a diligência de natureza cautelar consistente na “revista que se faz no próprio corpo, no vestuário ou pertences transportados consigo por uma pessoa suspeita de estar ocultando alguma coisa relacionada à prática criminosa[1]. Vem disciplinada em nosso ordenamento jurídico nos arts. 240 e 244 do CPP.

            O primeiro artigo, em seu §2º, vem assim declinado: “Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

            É preciso deixar claro, antes de tudo, que a busca pessoal, tanto quanto a busca domiciliar, se submetem à reserva de jurisdição, só podendo ser executadas, de regra, por meio de ordem judicial.

Ainda sobre a revista pessoal, o termo “fundada suspeita”, percebe-se, é requisito para a validade da busca realizada no corpo da pessoa. Mas, daí é de se perguntar: o que vem ser a “fundada suspeita”?

            À frente, no citado art. 244, o legislador procurou delimitar o espectro de atuação do agente estatal na hipótese de busca pessoal que independe de mandado (que é a que vamos tratar no texto). Veja-se: “Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

            Note-se que a “fundada suspeita” novamente aparece aqui, agora, no entanto, permitindo que, existindo ela, a busca pessoal seja realizada sem mandado judicial.

Portanto, qualquer busca pessoal tem de ser realizada somente com mandado judicial, excetuando-se os casos em que a pessoa for presa (prisão de qualquer natureza), quando ocorrer “fundada suspeita” de que esteja portando armas ou qualquer objeto que tenha ligação com o delito, ou quando, na busca domiciliar, for determinado também que a busca pessoal seja realizada em seu curso.

            Aqui o nó górdio.

            Sem dúvida alguma todos concordam que “fundada suspeita” se trata de expressão um tanto quanto genérica, cujo conteúdo fica à mercê da subjetividade de quem executa a medida ou é responsável por julgar a (i)legalidade do fato.

            Ora, epistemologicamente, a suspeita tem menor valor que o indício, o qual já é prova indireta com menos valor que a prova direta. Ainda mais, “não passa de um estado de ânimo – fenômeno subjetivo, que pode até possuir um valor heurístico, orientado a pesquisa sofre os fatos, mas que não tem aptidão para fundar o convencimento judicial[2].

            Essa fragilidade conceitual e epistelomógica da “suspeita” guarda perigos inomináveis, pois, o que se vê na prática? Agentes policiais que muitas vezes abordam pessoas e/ou veículos e realizam buscas pessoais sem qualquer critério legal! Se em juízo o abordado alegar que não havia suspeita, que dirá o agente? Apenas que houve?

            A dica para o advogado é ficar atento sobre isso durante a audiência, seja de custódia ou instrução, pois, em se tratando de medida invasiva que viola garantia constitucional, é dever, repito, é dever da autoridade externar os motivos pelos quais suspeitou do réu. Ou seja, o ônus da prova cabe a quem perpetrou a busca, não bastando, para tanto, alegar mera suspeita.

            Como dito acima, mesmo a suspeita, sem dados objetivos que a avalizem, é puro arbítrio e ilegalidade. Se fundada, como afirma o texto legal, deverá a suspeita embasar-se em elementos concretos, que possam ser aferíveis por qualquer pessoa de intelecção mediana.

            A jurisprudência pátria, entrementes, é bastante complacente com estes desvios, mas o TJ-DFT já pode se manifestar em caso semelhante ou assentou uma compreensão mais legalista do instituto:

PENAL. CRIME DE RESISTÊNCIA. ABORDAGEM POLICIAL E BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA DOS POLICIAIS NÃO DEMONSTRADA. DÚVIDA SOBRE A LEGALIDADE DO ATO. INSUFICIÊNCIA DA PROVA. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA PARA ABSOLVIÇÃO.
1. O recorrente foi denunciado e condenado como incurso nas penas do artigo 329 do Código Penal, porque, na tarde de 12.10.2013, em via pública de Sobradinho II – DF, opôs-se à execução de ato legal, mediante violência a funcionário competente para executá-lo, pois, após abordagem policial motivada pela condução de uma motocicleta pelo recorrente em zigue-zague na pista, aparentemente drogado, o recorrente xingou os policiais e partiu em direção a eles tentando acertá-los com socos, além de derrubar no chão um policial quando da revista. Apela alegando não haver prova da condução pondo em perigo a segurança alheia ou sob influência de substância psicoativa, assim como da falta de permissão para dirigir ou habilitação que tenha gerado perigo de dano. Conclui que, portanto, não há suficiente prova do crime. Já o Ministério Público, inclusive perante a Turma Recursal, oficia pelo desprovimento ao recurso ante os depoimentos colhidos.
2. Caracteriza-se o crime de resistência pela oposição à execução de ato legal de funcionário público, mediante violência ou ameaça, conforme previsão da lei. Na hipótese de busca pessoal, o que independe de mandado, o procedimento condiciona-se a fundada suspeita de que o sujeito oculte consigo arma proibida ou objetos ou papeis que constituam corpo de delito (art. 242, § 2º, do CPP). Isso porque simples suspeita não passa de suposição, algo intuitivo e frágil por natureza. Assim, até pelo aspecto invasivo e vexatório do procedimento, necessário que exista indício concreto de ocorrência apropriada para busca pessoal, evitando-se submeter pessoas aleatoriamente a revista.
3. Insuficiente nos autos prova de que havia fundada suspeita de alguma das situações que justificavam a busca pessoal, há dúvida acerca da legalidade da própria ordem emanada pelo funcionário público, impondo-se absolvição com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, em consonância com o princípio “in dubio pro reo”.
Nesse sentido, o aresto no TJDFT: APR 2010.04.1.008948-3, Rel. Desembargador Silvânio Barbosa dos Santos, 2ª Turma Criminal.
4. No caso, nenhum outro fato delituoso foi investigado pela autoridade policial pela singela razão de que a ocorrência na delegacia registra simplesmente a abordagem feita a duas pessoas, enquanto os policiais realizavam diligência, ocasião em que tais pessoas teriam xingado os policiais e ato contínuo, tentaram a agressão física. Por isso, o recorrente foi apontado inicialmente como incurso nas penas do artigo 331 e 329 do Código Penal. Depois, rejeitada em parte a denúncia por conta de o desacato estar absorvido pela resistência (decisão de f. 83), a denúncia foi ratificada (cota de f. 94) sem qualquer aditamento.
5. De outro lado, nenhuma prova veio aos autos da assertiva na denúncia quanto à condução de motocicleta pelo recorrente em zigue-zague na pista, especialmente para concluir que ele colocava em perigo a segurança alheia ou que gerava perigo de dano concreto. Quanto à condução do veículo pelo recorrente aparentemente drogado, segundo a denúncia, consta apenas as declarações dos policiais que fizeram a abordagem, sem qualquer exame no local dos fatos ou mesmo o encaminhamento na delegacia para aferição do uso de substância psicoativa, que justificaria a abordagem policial em face de um delito de trânsito. Nesse ponto, um policial falou em juízo que o recorrente “estava de moto” e “embriagado”; o outro, disse que o recorrente conduzia motocicleta e “estava muito locou”. Nenhum deles sequer esclareceu o motivo que os levaram a abordagem feita ao recorrente, que redundou na busca pessoal. Salta aos olhos, aliás, que eventual embriaguez por si só não justificava revista.
6. Nesse contexto, a r. sentença deve ser reformada para declarar a absolvição do recorrente com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
7. Recurso conhecido e provido, com súmula de julgamento servindo de acórdão (art. 103, §§ 1º e 2º, do RITRJE). (grifou-se)

Somente com esta interpretação constitucional e finalística da norma é que se aplicar os referidos dispositivos. Requeira sempre a prova da suspeita sob pena de nulidade. Caso contrário não passará de letra morta, posta na intenção de se ludibriar o cidadão e criar uma cortina de fumaça perante o erro.


[1] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Código de Processo Penal Comentado. 1 ed. Alberto Zacharias Toron (Coord.), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 479.

[2] Idem, p. 475.

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da Abracrim-MA, especialista em ciências criminais e ex-policial civil.


2 comentários

  1. Paulo Jessé Mendes Barbosa disse:

    Evidentemente, que toda e qualquer prova colacionada pela autoridade policial, tem sempre o “condão” incriminatório, em desfavor do acusado, no caso em tela, ficou cristalinamente comprovado que os agentes públicos, forjaram e demonstraram exarcebadamente autoridade.
    Lógico que a Simples suspeita de haver objetos e/ou materiais sendo conduzidos, NÃO É permissivo ser alvo de revista.

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