A inviolabilidade do escritório e a abordagem no automóvel de advogado



A inviolabilidade do escritório e a abordagem no automóvel de advogado

Indagação interessante no âmbito das prerrogativas do advogado diz respeito se o seu automóvel estaria alcançado pela regra da inviolabilidade do seu escritório.

            O Estatuto da OAB, em seu art. 7º, inciso II, afirma que: “Art. 7º São direitos do advogado: (…) II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

            A norma aqui tem como finalidade proteger o sigilo[1] entre cliente e advogado, pois, pela lei, tem o causídico o dever de guardá-lo, ainda que contra o consentimento de seu constituinte, tão relevante é, conforme rege o art. 26 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil: “Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte.”

            Portanto, ao proteger de forma especial o escritório de advocacia contra sua violação, busca o legislador, além de dar guarida a um espaço que se entende como extensão do domicílio – local já constitucionalmente albergado – guarnecer o sigilo entre advogado e cliente, do qual, indubitavelmente, fazem parte os documentos a este relativo e ao processo em curso ou causa que ainda será iniciada.

            Nesse passo, o acesso à esta documentação tem de estar protegido sempre, em qualquer lugar, mesmo que dentro do automóvel esteja, pois se trata de norma de ordem pública a que deve respeito tanto os advogados quanto as autoridades competentes.

            O Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus de relatoria do ministro Gilmar Mendes, já pode se manifestar e fazer alusão específica à inviolabilidade do escritório no que toca a “qualquer local onde estejam documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados” :

O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando-se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não investigados. (…) Ordem concedida para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o material colhido ser desentranhado dos autos do Inq 544 em curso no STJ e devolvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em outra investigação. [HC 91.610, rel. min. Gilmar Mendes, j. 8-6-2010, 2ª T, DJE de 22-10-2010.]

            Aqui extrai-se claramente a compreensão de que onde quer que estejam documentos de clientes, que, no caso da abordagem, não são investigados nem são eles os que estão sujeitos, naquele momento, à busca pessoal, a inviolabilidade o alcança.

            Assim, na hipótese do advogado ter seu veículo abordado na forma de busca pessoal, medida prevista no art. 244 do CPP[2], o acesso à documentação de escritório que porventura esteja dentro automóvel deverá ocorrer apenas com ordem judicial específica, não podendo os agentes vasculharem ou apreenderem papéis dessa espécie, ou, menos ainda, terem acesso ao notebook ou tablet (aqui a incursão já estaria proibida de antemão por se tratar de dados sigilosos do próprio advogado, que, uma vez que tratam da relação com cliente, são mais sigilosos ainda).

            Em ocorrendo tal ilegalidade, deverá o advogado se valer de todos os meios possíveis para registrar o fato, a fim de que tome as providências cabíveis para o processamento por abuso autoridade e posterior decretação de ilegalidade de eventual prova colhida na diligência.


[1] Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.

[2] Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar

Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA e especialista em ciências penais.


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