A dosimetria da tentativa. Qual critério?



A dosimetria da tentativa. Qual critério?

A dosimetria nos crimes tentados envolve a possibilidade de o juiz diminuir, num patamar de um a dois terços, a pena que se daria ao crime consumado. Diz o parágrafo único, art. 14, do Código Penal: “Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.”

Nesse passo, qual critério deve ser utilizado pelo magistrado para que escolha o percentual de diminuição que irá aplicar?

Deve-se destacar que ao condenar o agente pelo crime tentado, é dever constitucional do juízo (CF, art. 93, IX) declinar as razões idôneas pelas quais aplicou aquele patamar de redução da pena. Se aplica o grau máximo e não fundamenta, a decisão padece de nulidade, merecendo ser reformada para que se aplique o grau mínimo.

A doutrina e a jurisprudência definem como critério o caminho percorrido pelo agente no iter criminis, ou seja, quanto maior a possibilidade ou mais perto esteve o réu de consumar o delito, menor será a diminuição pela tentativa; doutra sorte, quanto mais distante esteve de consumar ou menor possibilidade detinha, maior será o patamar aplicado. Assim a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, INCISOS II E IV, C/C ART. 14, INC. II, DO CP. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. VERSÃO ACOLHIDA PELOS JURADOS RESPALDADA PELO ACERVO PROBATÓRIO. SUMULA 6 – TJCE. HIGIDEZ DO VEREDITO DO JÚRI. DOSIMETRIA. REANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. TENTATIVA. DIMINUIÇÃO DA PENA NA FRAÇÃO MÍNIMA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO NO PATAMAR MÁXIMO. NECESSIDADE. REGIME INICIAL ALTERADO PARA O ABERTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de Recurso de Apelação interposto por José Roger Feitosa Rodrigues, em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri da Vara Única da Comarca de Itapiúna – Ceará que, seguindo decisão do Conselho de Sentença, condenou o recorrente pela prática da conduta tipificada no art. 121, § 2º, incisos II e IV, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, aplicando-lhe pena de 09 (nove) anos de reclusão, em regime inicial fechado. (…) Na 3ª fase da dosimetria foi reconhecida a causa especial de diminuição de pena referente à tentativa (art. 14, inc. II, do CP), sendo aplicada a fração mínima de 1/3 (um terço). Nesse ponto a sentença recorrida se ressente da devida fundamentação, não havendo nenhuma indicação de elementos concretos que justifiquem a redução na fração mínima. Assim, por absoluta ausência de motivação da adoção do redutor mínimo, cabível no caso concreto a diminuição da pena em dois terços, resultando a pena definitiva do apelante em 4 (quatro) anos de reclusão. Precedente do STJ. 10. Finalmente, quanto ao regime de cumprimento da pena, o magistrado o fixou em inicialmente fechado. No entanto, inexistindo notícia de reincidência, e em face da pena ora computada, o cumprimento da reprimenda deverá ser iniciado no regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do CP. 11. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-CE; APL 0000511-26.2009.8.06.0103; Terceira Camara Criminal; Rel. Des. Antônio Padua Silva; DJCE 04/04/2018; Pág. 97) CP, art. 14 CF, art. 5 CP, art. 59 CP, art. 65 CP, art. 33 (grifou-se)

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PRIVILEGIADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVA SUFICIENTE A POSSIBILITAR A CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECONHECIMENTO DA TENTATIVA. IMPOSSIBILIDADE. FURTO PRIVILEGIADO. PATAMAR MÁXIMO DE REDUÇÃO. POSSIBILIDADE –JUSTIÇA GRATUITA. PREJUDICIALIDADE. Deve ser mantida a condenação do acusado, porque induvidosas a materialidade e a autoria, atestadas pela confissão do corréu e demais elementos contidos nos autos do processo. O princípio da insignificância não encontra respaldo na Lei Penal como excludente de tipicidade, quando se trata de autor contumaz na prática delitiva. Considera-se consumado o delito de furto, porque o autor da infração teve a posse mansa e pacífica da Res furtiva, mesmo que por um breve espaço de tempo. A aplicação da fração mínima de redução pelo furto privilegiado, sem a adequada fundamentação, enseja a reestruturação das penas. O pleito por justiça gratuita encontra-se prejudicado, eis que a sentença de primeiro grau de jurisdição já o concedeu. (fl. 387 – V). Provimento parcial ao recurso que se impõe. (TJ-MG; APCR 1.0024.14.145687-1/001; Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel; Julg. 08/05/2018; DJEMG 16/05/2018) (grifou-se)

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO SIMPLES NA FORMA TENTADA. ABSOLVIÇÃO POR NEGATIVA DE AUTORIA. INVIABILIDADE. 1. A prova de que o apelante praticou o delito de roubo simples na forma tentada, emerge de forma incontestável, reforçada pelas palavras da vítima e depoimentos testemunhais jurisdicionalizados e coerentes, caindo por terra a alegação de negativa de autoria. Modificação do patamar de diminuição pela tentativa. Possibilidade. 2. Viável o aumento do fator de redução da pena para o patamar máximo (2/3), pela tentativa, quando o magistrado não fundamentou a adoção do índice mínimo de abrandamento, máxime quando o agente apenas iniciou o iter criminis. Recurso conhecido e parcialmente provido, para redimensionar o patamar de diminuição pela tentativa. (TJ-GO; ACr 0335108-29.2015.8.09.0175; Goiânia; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos; DJGO 07/07/2017; Pág. 160) (grifou-se)

 

O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão já se manifestou pacificamente:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA NA FORMA TENTADA (ART. 157, § 2º, INCISO I, C/C ART. 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL). EXACERBAÇÃO INDEVIDA DO AUMENTO DE PENA DECORRENTE DA MAJORANTES DE EMPREGO DE ARMA. CONFIGURAÇÃO. FRAÇÃO DE AUMENTO DE PENA APLICADA PELO JUÍZO DE BASE QUE NÃO CONTOU COM A DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO, PELO QUE TAL FRAÇÃO DEVE SER REDUZIDA PARA O PATAMAR DE 1/3. PLEITO DE MAJORAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA REFERENTE À TENTATIVA. VIABILIDADE. QUANTUM DE REDUÇÃO DE PENA REGULADO PELA MAIOR PROXIMIDADE DO AGENTE CRIMINOSO NO QUE RESPEITA À CONCLUSÃO DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE INDICAM QUE O APELANTE NÃO ESTEVE PRÓXIMO DA CONSUMAÇÃO DO CRIME DE ROUBO, EMBORA TENHA INICIADO A SUA EXECUÇÃO, A JUSTIFICAR A APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL, EM SEU GRAU MÁXIMO (2/3). RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.   1) Para a fixação da fração de aumento da pena decorrente da majorante do emprego de arma, no seu patamar máximo, deve o juízo sentenciante apresentar fundamentos idôneos para justificar a elevação da pena em patamar maior que o costumeiro.   2) Não constando da sentença recorrida justificativa para a majoração da pena do apelante, a propósito da aplicação da causa de aumento de pena do emprego de arma, no patamar de ½ (metade), e nem constando dos autos que evidências de que a conduta do recorrente justifique a aplicação dessa fração de aumento, forçosa se mostra a redução da fração de aumento de aumento de pena em relação à referida majorante para o patamar de 1/3 (um terço), por se afigurar adequado às circunstâncias do caso concreto.   3) O parágrafo único do art. 14 do Código Penal estabelece que, salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Nesse contexto, depreende-se da norma legal que a fração de diminuição da pena referente à tentativa deve ser tanto maior quanto maior for a proximidade do acusado na consumação do delito.   4) Não constando dos autos que o apelante se aproximou da consumação do delito de roubo, até porque restou dominado pela vítima, e nem constando da sentença qualquer justificava para a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 14, parágrafo único, do Código Penal, no patamar de mínimo de 1/3 (um terço), deve ser reformada a sentença recorrida para que a fração de diminuição de pena correspondente à tentativa seja estabelecida na fração máxima de 2/3 (dois terços).   5) Recurso de Apelação conhecido e provido. (ApCrim 0432242016, Rel. Desembargador(a) TYRONE JOSÉ SILVA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, julgado em 20/11/2017 , DJe 06/12/2017) (grifou-se)

Portanto, caso não haja fundamentação para diminuição no grau mínimo e, constando ainda dos autos que a consumação do delito imputado esteve muito distante de se efetivar, merece, por razões de justiça, a redução pela tentativa em seu patamar maior, ou seja, 2/3 (dois terços).

Por: Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA, ex-policial civil.

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